"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



quarta-feira, 19 de março de 2014

Onde o vento acende a vela

A cidade e suas ruas sujas
Caminhos que lembram fugas
Ouro que vale mas não reluz.
A cidade e sua gente
Povo que sabe mas não sente
Locomotiva que não se conduz.
Onde o pobre se faz forte
Quando deixa à Deus a sorte
E carrega a sua cruz.



A cidade e seus ruídos
Onde se tornam amigos
Os que eram solidão.
A cidade e seus prédios
Lares de seus próprios tédios
Ambiente em aflição.
Fez-se de ti o marco
Onde a terra fez o parto
E o homem, ambição.

A cidade e suas pontes
Sobre suas grandes fontes
Cruzam vidas e perigos.
A cidade e seus medos
Escapou-lhe pelos dedos
Os seus mortos e feridos.
Afogados na loucura
De sua rotina dura
Quietos, todos em jazigos.

A cidade e sua espera
Já não é mais o que era
Vê em volta o céu queimar.
A cidade e sua prisão
Filhos que dormem no chão
Esperando acordar
Para ver um'outra aurora
Onde as dores de outrora
Não lhes impeçam de sonhar.

A cidade e o seu preço
Os que deitam em seu berço
Pagam o que lhes é imposto.
A cidade e as armadilhas.
Põe nas mesas das famílias
O sabor de seu desgosto.
Os que pedem pra viver
Perderam as forças pra ver
E não se lembram do seu rosto.

A cidade e o seu sono
Traga todo o abandono
Engana a todos que seduz.
A cidade e a tristeza
Alimenta a avareza
Renega tudo o que produz.
Onde o homem veste a cela.
Onde o vento acende a vela
E o fogo apaga a luz.

O dia em que o que não podia ser parado encontrou o que não podia ser movido...

   Respire, meu amigo. Acorrente o ar, arraste-o para dentro dos pulmões. Veja como ele te enche e te esvazia, como entra feito dono da casa, como vai embora feito um visitante.
   Agora alinhe a coluna e respire fundo. Não há tempo para lamentações. É só a vida, os dias passando, as coisas mudando. Não há nada pleno. Não se preocupe, amigo. Chegou de uma longa caminhada e está cansado, só isso. Ainda caminhará longas distâncias, mesmo que lhe falte forças nas pernas ou falte-lhe o ar, nunca lhe faltará água, pão e pouso.
   Não se amedronte. Sei o quanto é difícil continuar quando te doem as costas, quando as mãos tremem e os joelhos reclamam. Sei também do teu dilema, das tuas decepções, de como a busca por tentar entender o que é o mundo te afastou da busca por entender quem és tu próprio. Preocupa-te menos.
   Já viste tudo que precisava ver? Conheço-te pelos olhos abertos, pela afiada visão. No entanto, não enxergas a si próprio, porque só vê espelhos e padrões. Deixe o coração bater devagar. Tua maior responsabilidade é contigo mesmo. Teu maior compromisso é para com os mais próximos. Quer saber? Nunca vai perder teu medo do amanhã. É isto que te faz acordar e ir dormir.
   O que há de errado com as dores? Os arranhões na pele somem, os cortes fecham. Um dia, tudo acabará, sem dor. Mas por enquanto, precisa sentir tudo isso ao seu redor. Os prazeres e maldições que envolvem o estar vivo. Faz parte de sua mudança, de seu crescimento. Dê-se um tempo, camarada. Não sabe o que fazer hoje, talvez porque hoje não deva fazer nada. Esqueça as formalidades e burocracias, hoje você não deve satisfações. Deixe seu corpo fazer tudo o que tiver vontade.

   Amanhã tua vida muda e por mais que o dia pareça ter o mesmo brilho, é uma luz nova que lhe tinge os céus. Amanhã continuará sem as respostas que precisa, pois não há médicos para lhe dizer, cientistas para lhe provar, escritores que lhe expliquem o que você mesmo sente. Suas forças e fraquezas, soldas e rachaduras, desenhos e manchas nas paredes de tua existência. Amanhã ainda não saberás quem és tu e viverás assim, e o ar lhe invadirá da mesma maneira, quente em dezembro e frio em julho. Teu futuro é um objeto sólido, intransponível, invulnerável. Teu presente é uma força irrefreável, irrefutável, que não se pode domar.
   Então acelere este carro sem freio até encontrar seu muro intemerato, e verás o que resultará da união do que não pode ser impedido e do que não pode ser ultrapassado. Mas antes descanse. Até chegar esse dia, respire. Veremos se tua água não apaga o fogo. Veremos se teu peito não engole mais o ar sujo. Veremos isso depois...