"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



sábado, 31 de dezembro de 2011

Ela gosta de apagar a luz.

   Ela fala. Alto. Sem vergonha do que diz e do que escutam. Ela passa. Andando por entre os olhares, por dentro dos pensamentos maliciosos. Sorriso fácil, não pra qualquer coisa, não pra qualquer um, mas quando ela abre um sorriso você não olha pra mais nada ao redor.
   Ela pergunta. Se interessa pelo que você tem a dizer e sabe ouvir, olhando pra você, nos olhos. Bebendo, falando, sorrindo. Ela se olha em espelhos, quase o tempo todo, é sua mania. Ela levanta, arruma o decote e sai.
   Ela quer saber. "Quem você é?". Ela te descobre, talvez não como você seja, mas de um jeito bem parecido. A diferença é que ela não tem medo de suas suposições. Ela entende, ou finge que entende. Se não entende, ela sorri... E de alguma forma, não faz diferença.
   Ela é perfeita, porque não presta. Não presta pra se ter, nem pra se confiar. Não presta pra mim, acho que para ninguém. Ela gosta de ficar por cima, de tomar o controle. Gosta de mostrar que manda. Ela gosta de apagar a luz. E depois que as luzes apagam eu não sei mais explicar. Ela não presta, igual à mim, à você e à todo mundo. Ninguém é confiável.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sempre haverá conhaque...

Estupre sua mente
Tire dela tudo de bom que ela pode te proporcionar.
Tire seu orgulho, sua honra, suas felicidades.
Liberte seus gritos de dor mais profundos.
Enforque-se em suas palavras amarguradas

Afogue-se em mais um copo de conhaque
Calma, tudo ficará bem!
Só mais um copo de conhaque!

Você se sente tão vazio,
Mas ao mesmo tempo tão cheio de tudo.
E o que queria era poder jogar tudo para o alto
Se excluir no seu mundo,
Com suas longas risadas solitárias.

Fique calmo e se afogue mais uma vez,
Com um conhaque você começa a ver as coisas melhorarem.
Basta uma doze para você começar a sentir o efeito,
Irá se sentir realizado com mais um copo de conhaque.

Você não precisa se sentir tão frágil
Enquanto houver conhaque correndo pelo seu corpo se sentirá mais forte.
Não há por que sentir medo!

Se embebede e aproveite seu caos interior

(Gabriel Tatibana)

sábado, 10 de dezembro de 2011

Like a stray dog.

   Eu estou sempre por perto... Mesmo quando desapareço. Preste atenção, as coisas não mudaram tanto assim e você consegue me encontrar se quiser. Ainda estou na mesma casa, na mesma cidade, com o mesmo número de telefone.
   Neruda me disse: "É tão curto o amor, tão longo o esquecimento." e quer saber, ele tem toda a razão. A questão é que eu sou um cachorro que cansa rápido de correr atrás de um carro que eu sei que não vai parar, pelo menos não tão cedo. Eu me canso rápido.
   E quer saber? Outros carros vão passar sem que eu precise mudar de rua. Os carros vão passar. Quer mais? Posso correr atrás de carteiros e de gatos também. A rua me dá isso, sem que eu precise pedir, ela me oferece isso. Além do mais, sempre haverá alguém pra me proibir de entrar, me espantar dos lugares onde não devia estar, sempre haverá um lugar onde eu consiga me alimentar.
   Não há fronteiras nesta cidade cinza, são apenas linhas imaginárias que eu evito de pisar. São rachaduras neste chão impermeável, por onde as raízes das árvores respiram. A única fronteira que nos aprisiona é a fronteira da alma. Mas você não deve entender isso, na verdade eu mesmo não chego perto de entender.
   Mas você sabe, estou sempre por perto. Dentro ou fora de garrafas, em meio às folhas dos seus livros ou das plantas da sua casa. Estou dentro de cada gole curto de vinho que desce por sua garganta. Estou sempre ao alcance e você nem mesmo precisa se esticar demais. Eu estou aqui. E você? Onde está?

"Little sister. I've been sleeping in the street again. Like a stray dog."

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Mas você sempre some...

   "Por isso eu corro demais, corro demais... Corro demais, só pra te ver, meu bem." 

   Eu sei... A vida nem sempre colabora, o tempo corre de vez em quando, estaciona vez outra. Mesmo que o mundo continue girando em um contínuo movimento, alguma coisa sempre elimina a gravidade ao nosso redor, diminui nossa noção de tempo e espaço... E tudo bem, isso tudo é a nossa vida.
(Mas você sempre some.) 
   É foda! Entre um gole de uísque e outro de cerveja. Mesmo quando estou sóbrio... É difícil não saber o que você realmente quer de mim, e isso não é uma cobrança. Apenas dúvida e esperança. Eu quero você, de qualquer jeito, em qualquer dia, à qualquer preço.
(Mas você sempre some.)
   Talvez não seja culpa sua, talvez quase nunca seja, mas eu sinto saudades e quase sempre alguma coisa me impede de te ver, de conversar... E é por isso que eu escrevo aqui, pra ti. Pra que você se encontre nessas linhas, em algumas frases. Pra que você saiba que eu lembro de você. Pra que você saiba que eu me importo.
(mas você sempre some.)
   Só não some da minha cabeça, da minha rotina, das mensagens do meu celular. Só não some dos meus pensamentos, da minha vontade. Só não some das lembranças dessa sua boca linda, não some do cheiro da minha roupa. Você não some, nunca, quando lembro do sorriso que me deixa em pedaços.
(Mas você sempre aparece.)
   Às vezes, não gosto disso. Acho que acaba te afastando mais ainda. Não gosto de falar tão abertamente, acho que me deixa vulnerável. Acho que me entrego muito. Pra você. Sem querer. E você consegue ver? Te vi por tão pouco tempo e te acho tão importante, tão necessária... Devo estar ficando louco, devo estar querendo muito com meu pouco. É normal, às vezes , esqueço por algum tempo e consigo seguir solto.
(Mas você sempre aparece.)

"Se você vivesse sempre ao meu lado eu não teria motivos pra correr e devagar eu andaria... Eu não corria demais. Agora eu corro demais... Corro demais, só pra te ver meu bem."

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Knockout!

Olhe para dentro de ti e perceba: Você não precisa gostar de tudo!
   Na maioria das vezes queremos o difícil, o que não podemos ter. Você não precisa de alguém que te entenda, só precisa começar a entender que você não foi feito para ser desvendado, entender que você é um mistério pra você mesmo e sempre será. Você é um segredo e se deixar que te descubram, não será nada de mais importante.
   Chega de toda essa conversa! As pessoas simplesmente não são feitas umas para as outras. Elas são feitas pra si mesmas. Você pode até esbarrar com alguém parecido contigo, se tiver azar. É uma lastima dividir tempo demais com alguém tão igual, que sempre te compreende. Você não precisa disso! Se quer alguém que te obedeça e te aceite, arrume um cachorro.
   A ideia de compartilhar momentos e experiências com alguém deve servir para absorver coisas boas e ruins, e na maioria das vezes as pessoas vão te decepcionar, inclusive as pessoas que você trouxe pra mais perto. Ninguém é imune a isso, porque as pessoas falham, não porque não te querem bem, apenas porque são pessoas e isso basta.
   Olhe pra dentro de ti e aceite. A dor não precisa ser ruim, só é se você escolher assim. Acabamos sofrendo por antecipação, por coisas que não aconteceram, por dúvida. Você não precisa de alguém com dinheiro... A quem você quer enganar? Acha que alguém vai mudar sua vida? Você não precisa atualizar seu estado civil. Não precisa de aprovação, nem de comentários.
   Você só precisa se dar um tempo. Você precisa se encontrar com os amigos que sumiram, lembrar do que era importante, das coisas que uniam copos, garrafas e gargalhadas em uma mesa de padaria. Lembrar das coisas simples. Você só precisa respirar, sentir as dores dos golpes. Não precisa se levantar, deixe que eles abram a contagem e só se erga quando essa tontura passar e você conseguir andar reto. Depois disso, não há nada que um banho, um café quente e alguns comprimidos não te façam superar.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

- I really can't stay...

   - But baby, it's cold outside.

   Ainda me pego pensando em tudo isso, na mentira que tudo parece ser. Em tudo que os olhos insistem em ver. Ainda me afogo em doses intragáveis para amortecer tudo que desaba dentro da minha memória.   Fica mais leve assim, mesmo que me tire do caminho por algum tempo, mesmo que escape alguns segredos de dentro de mim.
   No final, eu sempre estrago tudo, com um toque, como um Midas ao contrário. Mas é de minha natureza. Cada pessoa tem uma qualidade predominante e a minha é acabar com tudo. Alguém precisa fazer isso, assumir o compromisso de transformar o bonito demais em algo normal, que pode ser tocado e quebrado. São só palavras.
   Houve um tempo em que eu escrevia essas maluquices em guardanapos, em mesas de qualquer bar, bebendo cerveja e conhaque, fumando um cigarro atrás do outro e despejando a sujeira das minhas idéias naquele papel engordurado. Para que outro pobre diabo lesse uma história de má sorte que não fosse a sua própria. Às vezes, saber que as outras pessoas têm problemas nos conforta um pouco. Um pouco.
    Esse tempo ficou pra trás. Agora bebo menos, quase não fumo e despejo minha sujeira nessa tela branca e ainda tem gente que gosta... Vai entender. Tanta gente doida nesse mundo, gente diferente, gente igual. Gente que agora se comunica o tempo todo, como se estivessem ligadas por fios, recebendo choques de vários lados. Me preocupo com essa interação. Muita gente, muita comunicação, muitas idéias... Isso não dá certo!
   Sou um pouco egoísta, meio vaidoso, não gosto de muitas opiniões. Gosto de quem não concorda, mas não suporto quem diz que estou errado. Tudo é relativo, tudo tem seu lado. Por mais que muitas vezes me engane, eu fico cansado de tentar fazer dar certo. O fracasso está sempre por perto.
   Ainda me perco, em ruas que não conheço, nessa cidade inesgotável. Ainda me perco nos balcões dos bares, nos banheiros sujos, me perco sentado no meio-fio. Ainda me perco em labirintos, em esquinas, nos cruzamentos sem semáforo, no trânsito. Me perco na lembrança da boca dela, as mãos deslizando nas curvas entre a cintura e o quadril. Mas ela sempre vai, ela sempre sai. Mesmo com o frio que faz, ela não pode ficar. Ela é diferente, acorda cedo, se esforça. Ela encontra tempo para tudo, as coisas que precisa e as coisas que gosta de fazer.
   É engraçado tentar escrever ou pensar em outra coisa. Ela é ciumenta, gosta de atenção, não me deixa pensar em muita coisa por tempo demais. Ela tira as coisas do lugar, vira o mundo de cabeça pra baixo, e de repente é só ela que importa. É como se as leis da gravidade não se aplicassem mais, é tão difícil deixar tudo no ar como ela faz. 
   Ainda me pego pensando em mim, do dinheiro que preciso, da azia que não me larga. Ainda me pego pensando na chuva, nos carros passando, no silêncio do mundo quando acaba a força. Ainda me pego pensando nos vícios, nos desenhos amassados, nas palavras mal escolhidas. Ainda me pego pensando nos amigos que não vejo, nos livros que eu não li, nos dias que não voltam mais. Ainda me pego pensando que tudo isso que penso sempre dá lugar a ela, e que nada faz-me pensar como ela faz.

sábado, 29 de outubro de 2011

Se você é o meu melhor vício...

  Entra, encosta a porta e senta. Hoje não vamos sair... Tudo o que precisamos está aqui e se não estiver a gente inventa e deixa em câmera lenta. Eu já abaixei o som, eu coloquei um samba bom para a gente escutar deitado, pois não há nada de errado em só querer ficar assim e com você perto de mim...
...o mundo pode explodir lá fora.

Me ensina a te decifrar, menina. Eu quero encontrar um jeito de te mostrar que o defeito anda de mãos dadas com o que está certo, eu posso não ser muito esperto, mas sei qual é o meu caminho. Me perco em goles de vinho, mas eu me acho em você e eu não sei nem mesmo porque, se isso tudo é um início. Se você é o meu melhor vício...
...o mundo pode explodir lá fora.

Linda, eu adoro este teu jeito doce, é como se isso tudo fosse um sonho de um domingo de sol. Cerveja e jogo de bola. Café, calma e Cartola. Nesta cama só nós dois e um lençol.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A eterna busca de felicidade no meio da lama desta infeliz cidade.

   O que te mantém no chão, às vezes, é uma outra perspectiva sobre a gravidade. O que te mantém no chão é o peso do ar que entra em seus pulmões. O ar lotado de fuligem, poeira e doenças alheias dessa cidade. Este ar re-respirado, compartilhado, quase morno.
   O que te mantém em movimento são essas caldeiras, colecionando remorsos em forma de carvão em brasa. É o que move suas engrenagens, o que te bota nos trilhos. Cuspindo pra cima toda a fumaça que resulta da combustão de seus ressentimentos.
   Talvez o que te mantenha vivo seja o fato de você sempre precisar de algo novo e/ou melhor para ser feliz. Talvez já deveríamos ter acordado e esquecido desse sonho de felicidade completa. A eterna busca de felicidade no meio da lama desta infeliz cidade. Talvez o que te mantenha vivo seja o fato de você ainda encher o bolso de outras pessoas, tentando encher o seu próprio, para em algum momento mostrar para outras pessoas as coisas que você agora tem.
   Mas é claro, às vezes o que você possui acaba te possuindo. Tudo isso acaba sendo complicado, quase sempre indecifrável, mas não se você tem Vodka. Tudo depende do fato de você ter ou não uma garrafa de vodka para diluir toda essa sujeira que vem e vai. Você sabe, vodka é legal para levantar a auto-estima.
   Caralho, essa porra de loteria podia cair um dia na minha mão. Aí nunca me faltaria vodka para esterilizar essa imundície. Compraria uma grande casa no campo para minha mãe, com as coisas de que ela precisaria. Botava a vida da minha família pra frente e sumia. Fugiria desse lugar chato, teria uma parede cheia de guitarras e poderia ficar até o resto da minha vida, se assim desejasse, bebendo com os amigos e ouvindo jazz.
   Mas como eu disse, o ar daqui é pesado demais e não permite que nossos pés se afastem demais do chão. Vivemos sonhando que seremos, alguns até acreditam que já são, pessoas que realmente importam, homens e mulheres que usam roupas realmente boas e frequentam restaurantes requintados. Mas não basta só isso, o que define é o status, a altura da patente. Vivemos sonhando com a porra da vida de romance, à hollywoodiana, e todas as coisas que não teremos.
   Quer saber? Releve tudo isso. Não faz muito sentido, talvez porque me falte vodka, talvez porque esse vinho branco parece derreter minha vontade de permanecer acordado, assistindo o domingo acabar. Esse tipo de coisa não me aconteceria se eu fosse russo ou não fosse um maldito bêbado. Foda-se! É como um grande amigo meu costuma dizer: "prefiro ser um bêbado conhecido do que um alcoólatra anônimo". Tem toda a razão, caro amigo.
  

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Labirinto

   Da janela do meu quarto eu vejo carros estacionados, uma porção deles, centenas, como um cemitério silencioso, ou um supermercado em dia de promoção, mas raramente alguém aparece, a paisagem então permanece quase sempre imóvel.
   As lâmpadas cospem luzes alaranjadas, uma ou outra janela nos prédios ao redor mostram sinal de vida. Entre uma tragada e outra a linha de raciocínio vai e volta tantas vezes que me flagro sem saber ao certo no que estou pensando. É como um emaranhado de fios, nem todos se tocam mas acabam sempre conectados ao mesmo ponto fixo.
   A árvore que fica em frente à minha janela parece um ecosistema completo, compartilhado por gatos que gritam e se arranham, pássaros que aproveitam a ausência dos felinos para se aninhar e namorar, e morcegos que aparecem quando o motel de folhas está vago. Os morcegos sempre me assustam.
   Minha casa é distante da rua, poucos ruídos chegam aqui, deixando tudo em um silêncio sufocante, como uma catedral vazia. Às vezes, raramente, algum som perturba este vácuo: um cachorro latindo na vizinhança, o som de um carro correndo pela avenida, o grito das turbinas de um avião solitário, rasgando o céu às escuras.
   Às vezes tenho boas idéias, às vezes crio teorias e labirintos. Imagino como o futuro deveria ser. Lembro-me de pessoas e me pergunto se elas ainda se lembram de mim. Penso em amores antigos, em momentos que parecem imaculados, dentro de porta-retratos que decoram as prateleiras da minha memória. Sorrio entre uma lembrança e outra, praguejo entre uma tragada e outra.
   Já pensei em esvaziar algumas dessas prateleiras, para colocar coisas novas no lugar daquela antiga coleção  de pessoas, lugares e momentos usados, que eu teimo em armazenar. Mas ai me lembro de que não posso simplesmente queimar o arquivo e não estou disposto à amontoar mais coisas.
   No final, acabo esquecendo as coisas que penso, a maior parte delas, como se estivesse mentindo pra mim mesmo. 'A quem eu quero enganar?', eu adoraria ser um otimista, fazendo uma faxina por dentro, tirando a poeira do meu museu particular e inaugurando uma nova ala, apenas para a exibição de novidades. Mas na realidade, tudo funciona como um parque de diversões enferrujado, frequentado pelo mesmo público, que já conhece o gosto do algodão-doce, da pipoca e do refrigerante, que nem mesmo sente mais aquele frio na barriga quando passeiam em uma das minhas montanhas russas.
   Mas eu estava falando da janela do meu quarto, um portal para alguma outra dimensão impregnada pelo cheiro de uma 'dama-da-noite' plantada aqui por perto. A janela do meu quarto, onde meu pensamento vai longe, acelerando e rebobinando esta fita, inúmeras vezes. É um flerte perigoso com o tempo, eu me deixo levar pela dança, pela valsa, pela sinfonia do vento que derruba e arrasta as folhas da 'àrvore-motel'.
   As casas são todas iguais, como embalagens, pintadas com a cor da monotonia. Aqui existe uma tranquilidade assustadora, daquelas que aparecem após uma tempestade ou um naufrágio. A única diferença é que há muito tempo não existem ondas, me jogando de um lado para o outro nesse mar, turbilhões rodopiando tudo como se a sua vida estivesse dentro da lavadora de roupas. Existe apenas uma marola, suave, que traz náuseas.
   Eu disse que meu pensamento vai longe demais. O cigarro está no fim, minhas idéias também. Vou tentar dormir antes que a claridade do dia venha devorando as núvens amarronzadas que cobrem o céu. Desculpe-me, mas preciso fechar a janela.

...meu espetáculo sem tanto glamour.

   Quer saber? Acho que somos tão diferentes, tão distintos, de mundos tão distantes... E é exatamente por isso que quero saber como é participar disso.
   Não faço questão de muita coisa, não cobro tanta atenção, só espero que se lembre, às vezes, das coisas boas que escrevo e esqueça todas as vezes em que eu insisto em estragar tudo. Só quero que saiba que é estranho ficar longe, sem contatos. Até pensei que pensaria menos à seu respeito, mas agora sim, qualquer coisa me lembra você, não importa o que seja.
   Tudo bem, só quero te lembrar que estou por perto. Verdade, tem razão, estou ilhado, sem nenhuma garrafa que possa jogar no mar, sem nenhum sinal de fumaça. Mas estou por perto e você, mais do que ninguém, sabe como me encontrar.
   Olha... Só quero te mostrar um mundo diferente. O universo onde cresci, solto, descalço na rua. Só te ofereço uma participação no meu espetáculo sem tanto glamour, mas repleto de novas experiências. Só quero que veja que eu sou mais que um perfil, mais que acordes e versos, sou mais que essas linhas explicam. Só quero que veja que sou mais que as roupas que uso, das coisas que faço e do pouco dinheiro que tenho. Só quero que veja que eu só vejo você, em várias coisas diferentes. Quero que veja que é tudo muito diferente dessa vez, tão diferente que pode acabar sendo o apropriado.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

   Deve valer a pena! Não pensar tanto nos passos antes de ir atrás do que se quer. Deve valer a pena, tentar de novo, achar em alguém algo parecido com o que você já sentiu um dia. Deve valer a pena tentar ser feliz com outra pessoa, ser feliz por outra pessoa.
   Deve ser estranho, quando as coisas aceleram. Assumem grandes proporções de repente. Mais estranho é quando você acaba se sentindo à vontade com tudo isso. Feliz por isso estar acontecendo, na velocidade que for. É bom quando te mostram que você ainda consegue ser uma pessoa da qual sentia saudade de ser.
   Deve ter algum jeito, igual o que as outras pessoas encontram pra se livrar desses pensamentos. Deve ter algum jeito de se abdicar, de se negar. Deve ter algum jeito de esquecer... Esquecer essa ideia de que as coisas serão iguais. Deve ter algum jeito de voltar a gostar de alguém, de se desmanchar quando ela abre um sorriso. Deve ter algum jeito para não se sentir um adolescente quando vê uma foto ou quando ela não está por perto.
   Deve valer a pena ser estranho e ter algum jeito para não ligar pra mais nada e continuar remando, 'mesmo se esse barco estiver furado'.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

à cem quilometros por hora...

   Gostar de gente demais desparafusa um pouco a cabeça. Rasga a gente no meio, despedaça tudo como se fosse caco de vidro. Acho que somos gasolina, sempre esperando uma faísca. Estamos sempre esperando uma oportunidade para foder tudo... E quer saber? Que se foda.
   De um jeito ou de outro, o destino sempre te coloca contra a parede. Te revista, procurando por explicações ridículas escondidas. Pede sua identidade e te dá um tapa na cara quando você esquece ela em casa. Algumas pessoas simplesmente não valem a pena e isso não é tão ruim. Não adianta se esticar demais pra alcançar o que não vale a pena.
   É claro, falo disso tudo. Eu também não valho a pena. Não se já passei, se o que tinha pra oferecer acabou e deixou só lembranças no lugar. Chega de sonhos, nesse mundo existem leis feitas para serem quebradas e outras para se seguir à risca e quando colocamos os pés do outro lado da linha podemos ser surpreendidos pelos vigilantes. Dá pra entender? 
   A raposa que entra no galinheiro vigiado é confiante demais, esperta e rápida demais e por isso passa pela cerca em busca dos ovos com as orelhas levantadas, mas quando se aproxima demais acaba desprezando os perigos, não sentindo o cheiro de pólvora e o cano frio da espingarda. Eu sei, metáforas cansam, assim como as pessoas, algumas pessoas deviam chegar, ficar e ir embora de vez.
   Porque nós sabemos, nos fazemos de estúpidos, mas sabemos que essa vida é uma porra de estação de trem, trazendo pessoas que talvez não fiquem tanto, levando pessoas que talvez voltem logo. É simples resolver, simples decidir, muito simples de perceber que isso é semelhante àquela viagem que fez algum dia para qualquer lugar que te traga saudade e uma felicidade intragável, mas que por algum motivo faz pensar que nunca vai voltar, que no máximo passe por ela à cem quilometros por hora na rodovia. O que te faz pensar que se voltar a vê-la vai ser de longe e no entanto também te faz pensar que é exatamente assim que deve funcionar, pois certas viagens devem ser feitas apenas uma vez.

sábado, 27 de agosto de 2011

Eu bem que te avisei...

Você tem esse jeito estranho de me fazer perder a razão sobre qualquer discussão.
Você vem, mas ao mesmo tempo sei que você está procurando alguém que possa te levar.
Mas além disso tudo nós buscamos proteção, disfarçando de cristão o que é pagão.
Tudo bem, temos mais momentos para desperdiçar enquanto não sabemos onde vamos chegar.

Eu tentei mas não vou negar, sei que você está fugindo por um triz do que te fez feliz.
Eu não quis, mas não vou mentir, nem devo fingir que no fundo eu não sei mas eu bem que te avisei.

Você quer arrumar um modo de me enlouquecer pra eu não ver que você não sabe mais o que fazer.
Se puder vai mostrar desprezo ou mesmo distração mas duvido que pode expulsar o fogo do pulmão.
Minha mulher. Minha menina, imagina como vou viver se você não voltar quando outro dia nascer.
Mas se vier traga o seu desatino. Eu sou menino e gosto de atenção, mas não leve do meu destino a direção.

Você diz que quer tomar um Domecq, fumar outro beck pra se iludir já que eu não te faço sorrir.
Mas eu sei que junto de todo sorriso sempre vem um aviso sobre o perigo por trás de um abraço amigo.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Provocar o acidental.

Eu preciso ir e deixar tudo aqui, sem olhar pra trás.
Tenho que fugir porque percebi que não posso mais
Tentar omitir que tudo o que ví não me deixa em paz.
Só posso fingir que já esqueci quanto tempo faz.

Faço uma oração, peço proteção. Chegou a minha vez.
Vou com os pés no chão, faço a opção que você não fez.
Não me estenda a mão. Não me chame em vão. Tenha sensatez.
Não devo perdão, pois entendo o não, mas não o talvez.

É a explosão dos nossos sinais que tornou veloz.
A atribulação destes carnavais que levam a voz.
Nessa colisão de lábios iguais provamos a nós
Que essa solidão é ruim demais para seguir a sós.

Procurei saber. Busquei entender pra não me enganar.
Tive que correr para aprender como começar.
Devo me atrever e interromper o meu aguardar.
Eu não sei você, prefiro precaver que remediar.

Vou no singular pois no teu plural não há vez pra mim.
Pra não me algemar no habitual eu prefiro assim.
Tentar provocar o acidental com um pouco de gim.
Para evitar que o inicial leve-me ao fim.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

...como tentar definir as cores para um cego.

   Eis que derrama-se o mel pelo canto dos lábios. Escorre pelo pescoço como a seiva de uma árvore, como o suor. Uma gota de vela derretida, uma lágrima branca caindo. Cada suspiro que damos não volta, não retorna ao peito o ar que já usamos. Tentaram de tudo, mas ainda caímos sem pára-quedas. É raro, mas minha imaginação falha de tempo em tempo, por sobrecarga, por sobriedade. É como tentar definir as cores para um cego e executar uma sinfonia para um surdo.
    É fácil! Dentro do conjunto se destacam os melhores indivíduos, assim como as melhores frases do texto. Cansamos de saber que no melhor lugar só estão os melhores. São voltas da vida, às vezes acelerando, às vezes com o pé no freio, mas nunca parada. Às vezes é tão difícil acreditar em quem está ao lado. Mas deixe que tudo pareça desconexo hoje, porque isso muda o cenário, pinta um sol amarelo por cima da tua tempestade. Talvez você arrume algo pra beber, fumar ou usar. Talvez encontre uma briga para por fim ou para começar.
    Depois de um tempo é possível tanger o inconsciente, deixá-lo sair pra fora do corpo. Explodindo pelos sete buracos da cabeça, fugindo, correndo, irradiando. Então espera-se que volte, com novas luzes para os olhos. Novos sabores, explodindo nas línguas. Aromas aguçando o faro e músicas para os ouvidos. Um festival de novidades, uma nascente brotando da terra velha. A germinação de experiências.
    Mas  é claro, devem estar se perguntando o que eu quero dizer com tudo isso. Fato é que não importa a razão que tenho quando escolho palavras. O relevante é o que pode-se interpretar. O indispensável é somente o que alguém encontra sentido e reconhecimento. De resto sobram frases ruins e tentativas, ambas efêmeras. Tente não seguir a maioria e procurar qualquer sentido evidente, tente resolver as palavras cruzadas sem olhar as dicas no rodapé. Pois é tão transitório, previsível e repulsivo. Não tenha medo de que o amor seja breve, de que seja só uma carona, um passageiro que desce no próximo ponto. Só tenha medo de não abrir-lhe as portas e convidá-lo para dar uma volta.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Às vezes.

   É engraçado. Vai me dizer que continua sendo aquela mesma pessoa, que poucas coisas mudaram, que ainda bebe aquele conhaque com licor de cacau. Puxe uma cadeira e peça algo pra beber, faz muito tempo que não nos falamos, conte-me boas notícias. Hoje não quero falar de mim pois você sabe o que fiz.
    Você sabe que andei fugindo, não como um foragido mas como alguém cansado demais pra permanecer parado aqui. Não fui tão longe, permaneci na cidade. Só dei um jeito de esquecer o celular, dei um jeito de esquecer os meus e-mails e recados. Fugi pra dentro de mim, pra fora de ti. Tentei fugir dessa liberdade, da livre escolha.
    Acha que eu engordei? Que milagre, não? Devo ter ganhado alguns quilos, afinal estou fumando menos, comendo mais. A ansiedade me faz abrir a geladeira de 15 em 15 minutos, na esperança de algo delicioso se materializar lá dentro como em um toque de mágica.
     Você ri.  Ri porque não é contigo, conheço teu drama sobre quilos a mais.  Deixe isso pra lá, aliás, você está ótima. Achei que você não ficaria mais bonita do que já era quando te vi na escada. Eu estava enganado, olhe só pra ti. Está linda, mas acho que já disse o suficiente. Não quero que pareça que estou dando em cima de você, sei do seu compromisso.
     Falando nisso, como vai seu namorado? Como é o nome dele mesmo? Parece ser um bom rapaz. Tudo bem, sempre vou achar estranho você com outro cara que não seja eu, mas ele parece ao menos te fazer feliz. Não sei se já te perguntei, mas eu te fiz feliz? Por muito ou pouco tempo, mas te fiz? Eu sei que te fiz sofrer, isso você deixou bem claro, mas já ficou bem feliz comigo?
     Às vezes tenho saudades de ser bem feliz. Não faça essa cara, você sabe do que estou falando. Não, eu não virei romântico, nem saudosista e é claro que sou feliz. É que hoje as coisas parecem mais nubladas, nem muito sol, nem muita chuva. Você viu? Não sou mais tão grosseiro como eu era, ou como eu pensava ou fingia que era. Dê um tempo, eu era um garoto, tinha uma fama e uma cara de mau para manter.
    Vamos mudar de assunto. Não quero ficar aqui falando sobre nós. Se a cerveja não demorasse tanto pra chegar nem teria tocado nesse assunto, acho que vou ter que gritar com algum garçom. Antes de perder a chance eu queria te perguntar se um algum dia poderíamos fazer isso de novo. Sentar, beber, conversar. Sei que ele tem ciúme de mim, tem toda razão. Vou entender se não achar uma boa ideia. É que às vezes tenho saudade de ser bem feliz. Às vezes tenho saudade de ti.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

 Era um desafio. Uma aposta, não para ver quem seria o melhor ou mais correto. Tampouco uma provocação entre rivais. Apenas uma forma de incitar o que temos, esquentar até o ponto de ebulição e assistir isso ferver em um bom tamanho e em uma fonte legível.
 Tudo bem, ela gosta de diálogos. E vocês sabem que eu não escreveria um agora. Isso daria muita moral para ela, que deve estar concentrada em sua parte da aposta, em seu universo vermelho de letras brancas e pensamentos desatados.
 Meu universo é de preto no branco, sempre acompanhado de cerveja. And fuck off, se coloco títulos em inglês e nem sempre falo a verdade. No final, quem realmente quer ler as verdades de alguém? Que diferença faz se escrevo sobre o que sinto ou sobre o que invento? É sempre a mesma história, digitada pelos mesmos dedos, criadas em cima da mesma tela branca com correção automática.
 Não se trata de vencer... Não ligo pra esse tipo de vitória. A única vitória que me importa é a de domingo no pacaembú ou a de quarta-feira "fora de casa", e se você me conhece não preciso explicar sobre o que estou falando. Esta aposta trata-se apenas de não deixar que ela deixe seus "pensamentos desatados" de lado por causa da faculdade ou porque já deveria estar dormindo e que está fodida amanhã.
 Trata-se da minha curiosidade incomensurável sobre o que ela deve estar escrevendo. Trata-se de imaginar quais piadas está fazendo, quais palavras escolhe e com quantas metáforas e parágrafos irá enfeitar suas linhas. Trata-se de tentar adivinhar quais são as duas pessoas que vão conversar bem na sua frente...



"Ela caminha pisando em falso. Lento e rápido ao mesmo tempo. Pisa nas poças como se pisa em corações, com força, com temor, com raiva..."

segunda-feira, 13 de junho de 2011

...Uma indiferença quase anestésica.

   "Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor."
  
   Resolvi sair. Sair de dentro destas paredes, sair de dentro deste molde. Escapando por um fresta da minha cerca de arame farpado, por cima dos meus muros repletos de cacos de vidro, escapando dos meus próprios cães de guarda. Tudo o que criei para impedir que qualquer um entrasse sem permissão, mas que consequentemente me aprisionava dentro das minhas celas feitas de desconfiança e amargura.
   É uma estupidez tentar se defender de tudo, se guardar por baixo de um escudo, privar-se das possibilidades casuais. Deixo então, a partir deste momento, que as coisas tomem suas direções, aceitar o que foi, receber o que volta, dispensar o que não me convém. Como tentar negar o que fui e o que me tornei? Como disfarçar os erros que por ventura cometi e os crimes dos quais sou acusado?
   Esqueça... Na verdade, não sei o que lhe dizer. Só espero que me ignore, mesmo que não queira. Desse modo, continuo vendo-te na minha estrada, mas me esqueço um pouco mais enquanto ando e se olho pra trás  vejo-te distante, tua silhueta esmaecendo, sendo apagada. Assim sendo, ficam as cicatrizes mas as dores dão espaço à uma indiferença quase anestésica.
   E isso é tudo. Lembre-se apenas de me devolver as chaves, de tirar teu perfume de mim, de levar tudo que é teu. Tira este teu gosto doce do meu sorriso amargo. Aqui não há mais espaço e o meu tempo já é escasso para discutir sobre o meu fracasso. Cansei de cair no teu laço. Deixe tudo isso ir pois se não nos pertence não voltará e o que for nosso volta atrás de nosso abraço.

"Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?"

 Fernando Pessoa

sábado, 11 de junho de 2011

Even way...

   Eis que aquela velha ferida volta a lhe incomodar. Mas você não se incomoda tanto assim. Arranha-te, viola-te, maltrata-te a pele e no entanto você não pode conter essa vontade involuntária e incontrolável de lacerar a fina camada que lhe protege.
   Deve se lembrar de alguns anos atrás, bons anos atrás, em que abria seus velhos brinquedos ou até mesmo os aparelhos eletronicos antigos, apenas para ver o que havia por dentro daquela embalagem híbrida, daquele modelo padrão, do velho corpo usado e mal acostumado.
   Ou seja, não conseguimos deixar o sangue coagular do lado de fora da pele. Solidificando em um universo desigual. Arrancamos, em plenas unhas, o bloqueio entre o corpo habitual e o corpo desconhecido. Apenas pela emoção de ver uma pequena gota de sangue brotar da pele como um milagre evolucionário. Aquela velha sensação de estar vivo que apenas a simples dor pode lhe proporcionar.
   Não se deixe levar por tão pouco, afinal, ainda estamos amadurecendo em um barril de carvalho, esperando o ponto certo de degustação. Não nos deixaremos ser provados como algo doce demais. Permita que a madeira absorva essas impurezas, permita-se tornar límpido e claro mas não tão simples de ser tragado. Deixe-se envelhecer como deve.
   Se é sangue que procuras, sabe bem onde achá-lo. Ele está derramado pelas ruas e pelas janelas por onde observa o mundo. Está bem perto, por baixo de tua pele, correndo com a mesma pressa desta cidade por entre tuas veias, abastecendo tua curiosidade e teu coração que mal pode acompanhar teus passos.
   Lembra-te dos teus passos? Aqueles que te trouxeram até aqui? Será que deixaste apenas se levar, arrastada por estas calçadas abandonadas até algum lugar que não lhe parece familiar? Será que você sabe onde está pisando, em que confusões anda se metendo? Você é mais nova e inocente do que pensa ser. Eis um segredo que a partir de agora torna-se público: Quanto mais descobre-se menos entende-se.
   Cansamos... Ou devo colocar isto no singular, em meu suposto senso de humildade e apenas dizer que eu cansei desta busca desenfreada por conhecimentos, desta procura descomedida por descobertas? Você pode até tentar me persuadir de que hoje sabemos muitos mais do que sabíamos. Even way, coloco-me em meu absoluto direito de discordar e replicar: Reciclamos de um modo anti-ético e cretino tudo o que alguns falam há séculos. Mesmo assim pensamos ser intelectuais, bem sucedidos e informados. Partilho de um ponto de vista simples, que divide e explica bem a palavra "informação":
- In - Elemento designativo de negação.
- Forma - Alinhamento, modelo, modo, maneira...
Podemos ir até mesmo mais longe e definir "formação" como disposição, constituição, estabelecimento. Sendo assim, continuamos sendo os mesmos primatas vaidosos e egocêntricos que éramos, apenas com ferramentas mais avançadas, mas com o mesmo desejo indiscreto de descobrir e de saber.
   Evolução é um termo delicado para se lidar. Consigo ver no passado um brilhantismo que nos falta no presente. Uma política de exercício ao pensamento escassa em nossas rotinas. Um apego às artes, um culto à singularidade e ao genialismo, uma veneração ao sentimentalismo praticamente extinto hoje em dia.
   Qual é o reflexo do amor, da pobreza e da guerra? Até onde isso nos alcança? Em um tempo de sexo livre, classe média e diplomacia pacificadora, seremos capazes de obter a felicidade que nos prometeram e na qual acreditamos? Seremos capazes de continuar nossa busca por informação, discernimento e livre escolha?

   "Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe. O universo é governado pelo acaso irracional e ao mesmo tempo por uma providência com preocupações éticas. O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas também valioso e necessário. O Universo é um sádico imbecil, mas também, simultaneamente, o mais benevolente dos pais. Tudo é rigidamente predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente livre..."

Aldous Huxley

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Translação

   A aurora celestial dos olhos, marcando o tempo em olhares, saudando a tarde que cai e arrasta o sol para o horizonte. Toda a calma que somente todo esse desespero pode nos proporcionar. A paciência necessária para agir com rapidez, pois não há revolução feita em um só dia de paz. Gastando muitas horas para medir alguns minutos.

   Ao redor destes cálculos existem vidas baseadas em fracções. Vidas que não encontram outro sentido além do contínuo movimento das eras. Gerações devorando geradores. Oprimidos oprimindo os opressores. Devastando seus ideias ultrapassados na velocidade de um pensamento, entre as atrocidades de um novo tempo.

   É preciso se embriagar, é preciso organizar o caos e anarquizar a ordem, pra viver em câmara lenta, em oito milímetros, em preto e branco. Com a obrigação de viver nas entranhas das velhas leis, nas ruínas de outro século. O dever de construir e reciclar. Cimento sobre cimento. Alimentando a cidade suja e faminta. Ensinando as crianças a se viciarem pelo sabor acre e tóxico da velocidade.

   Transmitir novas ideias! Remontar velhos pontos de vista. Discutir nossas inovações e descobrir novas terras. Seguir em um caminho diferente. Afinal, somos todos capazes de feitos milagrosos. Podemos enxergar que temos o mundo às mãos e não nas costas. Vamos fazer um acordo: Nunca mais apontaremos os defeitos alheios por não termos nada melhor para dizer de nós mesmos.

Anestesia, por favor! Um jato de boa noite em minhas veias, que me faça esquecer disso tudo. Lembre-se: Liberdade é muito mais do que podem nos dar. As pessoas sempre têm algo pra dizer e algumas dizem que podemos escolher entre o bem e o mal. Nós sempre escolhemos o bem; o mal acontece.


(...em algum dia nublado de 2006)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Corinthians - Itaquera / Palmeiras - Barra Funda

   O chão parcialmente seco avisa que a garoa me esperou como uma armadilha do lado de fora, chegando de um golpe de ar úmido, típico das saídas do metrô, ao final da escada rolante. Poucas pessoas no centro da cidade, parece que a pressa deu-se uma folga, fugindo da habitual imprudência que corre por entre as veias e artérias desse conglomerado desorganizado que chamamos de lar.
   O dia começou como os anteriores, o sono bruscamente interrompido pelas sirenes do despertador, o cheiro da manhã nublada, o gosto da preguiça calma e cafeínada, o som de um silêncio matinal e desmotivante como um sol de outono. Não há trânsito na rua e poucas pessoas resolveram enfrentar a manhã de feriado e ressaca, falta coragem nos corações solitários e abandonados dos paulistanos. Caminho à passos longos, evitando os defeitos destas calçadas.
   Parece-me um tanto quanto confuso o desnível desta cidade, os extremos encontrando-se e separando-se em uma esquina, o abismo entre as classes que dividem as mesmas passagens apertadas. O centro da cidade dos pobres diabos, mendigos, bêbados e viciados sem futuro, mulheres enganadas e assalariados sem folga. Tudo isso em rota de colisão com um universo que não lhes pertence um ou dois quarteirões acima. O imenso contraste de classes dividido entre a parte apertada, suja e cinza para os inquilinos e a parte ampla, limpa e colorida aos proprietários.
   Depois de alguns passos largos o cheiro de tudo se mistura: o suor do povo, o mel das frutas de uma barraca, a fumaça dos poucos carros e dos cigarros, o odor dos bueiros e do café barato e doce demais que foge dos bares, misturando se ao perfume das pessoas, árvores e flores que começam a decorar a paisagem conforme vou mais longe. Em pouco tempo o cenário muda, como se uma nova cidade nascesse através de sobras de uma civilização em ruínas. Passo à passo os defeitos das calçadas vão sumindo, substituídos por ladrilhos de um chão limpo, por onde senhoras passeiam com seus cachorros extraordináriamente bem tratados.
 Em ambos os lados erguem-se torres magnificamente construídas, com grandes janelas, sacadas largas e portões imponentes, como castelos. De um desses prédios à minha frente vejo crianças correndo em direção à rua. Dois meninos pequenos de três anos e alguns meses de diferença, de mãos dadas com uma garotinha no meio, um pouco mais velha que os dois. Os garotos vestem roupas bem feitas e passadas, excessivamente formais para garotos tão jovens. Os cabelos claros meticulosamente penteados por baixo do quipá. A menina desfila um vestido de renda com bordados, tão claro quanto sua pele, meias de seda e um sapatinho envernizado, como uma boneca polonesa de porcelana. Mal sabem como teria sido se tivessem nascido há sete décadas atrás.
   Depois de alguns instantes de liberdade, os três são surpreendidos pelo chamado às suas costas. Descendo os quatro degraus da portaria revela-se uma mulher por dentro de um vestido azul marinho com detalhes e costura branca, os cabelos como fios de ouro bem presos sob um chapéu caro e os dedos, pulsos e o pescoço fino coberto por uma variedade de jóias de diversas qualidades. Uma perfeita Demoiselle, provavelmente saída de um filme francês da metade do século XX. Deixo-me distrair com a felicidade ingénua das crianças correndo com suas pernas curtas e pulando aos sorrisos da mulher encantadora. Certamente destoam das crianças pedintes, descalças e famintas que dorme na porta da estação.
   Em uma fração de segundos, flagro-me em frente a fachada do prédio, do outro lado da rua pode-se ver a clarabóia reluzente no telhado, enchendo aquela caixa de concreto e mármore de luz. Este agora é o mundo que eu ajudo a fazer funcionar, o planeta que ajudo a manter em perfeita rotação e translação. Esses estranhos habitantes são meus grandes amigos e companheiros, pobres diabos como eu, com mais ou menos dinheiro do que eu. Chegando e partindo de extremos, assim como eu.
   Vivo esperando por um dia de folga, contando com muitos dias de trabalho de sol à sol, na expectativa de um milagre descer dos céus só pra mudar um pouco toda essa exatidão. Esperando deixar de cruzar as mesmas fronteiras de um só país, de um só estado. Esperando que a garoa me dê uma trégua na volta, que exista um assento vazio, que a fila não seja tão grande, vivo esperando voltar pra casa.

sábado, 5 de março de 2011

Amigos, amigos...

...Discussões à parte!

   É realmente encantadora toda essa arrogância que temos ao falar sobre o que sabemos ou, ao menos, acreditamos saber. Vocifera-se argumentos disparados como tiros de metralhadora em todas as direções. No entanto, quem está com a razão no final das contas?
   Cresci ouvindo o velho cliché: "Religião, política e futebol não se discute!". Apesar de serem os assuntos mais comentados, (com a exceção de conversas sobre o clima, relacionamentos, trabalho ou sua ausência, etc...) continua em cada esquina, boteco, salas de jantar e estar, o velho desacordo de opiniões. Algumas vezes levando à um ponto de ebulição crítico, fora de controle e/ou insensato.
   Começando pela religião. Nunca me fascinou tal ofício, tampouco dogmas e diretrizes. Abstenho-me desta vocação e isso não significa que eu seja um exímio pecador ou descrente. Acredito na livre interpretação e também em minha fé interna, sem intermédios, sem representantes. Se me perguntassem eu diria que meu Deus não possui religião, não mora em nenhum templo e não fala pelas mãos de homem algum que há milénios escreveu o que dizem ser a 'palavra de Deus'.
   Não volto-me contra os adeptos da religião, respeito o direito de exercê-la, contanto que respeitem o meu de abdicá-la. É óbvio que as relações entre fiéis de diferentes vertentes eram, são e, provavelmente, sempre serão estremecidas. Também é evidente que a coexistência é um sonho bem distante entre cristãos, judeus, budistas, mulçumanos, entre outros.
Outra observação cómica é a visão dos fiéis para com os ditos 'heréges', sendo que a palavra 'infiél' soa pejorativa demais. Os mais liberais te vêem como alguém perdido que precisa ser resgatado e ensinado a seguir o caminho certo, por outro lado, os mais radicais, como bem diz o nome, não toleram os não religiosos, julgando-lhes como condenados, por não partilhar da crença que os demais confiam como único caminho... Tudo bem...

   Adiante com a política. Sei o quanto é monótono os discursos dos partidários e políticos, também nesse caso me abstenho. Não sou da esquerda, da direita, tampouco fico ao centro. Novamente, não acredito que estou sendo representado por alguém ou algo. Deixando de fora disso tudo os frequentes escândalos, coloco o dedo sujo na ferida aberta dos que pouco sabem sobre os estandartes que levantam ao brado heróico. Servindo de panfleto de uma causa que não é própria, não é nova e que muitas vezes 'não compra o que vende'.
   Exausto de toda essa troca de acusações e provocações acabo por ver tudo como o mesmo 'filme azul' que apenas troca atores e diretores para uma 'versão vermelha'. E como sempre, na história dessa raça, os oprimidos acabam virando opressores. Mas a verdade é que sempre haverá uma juventude disposta a se agarrar nas ideologias criadas por tiranos, de ambos os lados, que escreveram, discursaram e ostentaram a 'liberdade' aos quatro ventos, como heróis, mas passando por cima de qualquer resquício de liberdade com a justificativa de que "o ideal é para todos, não de um só. Portanto o que tiver que ser feito pra que tenha liberdade, será feito!". Muito bonito de se ouvir, exceto quando quem houve são os que ficaram a baixo da sola desse sonho de liberdade, quem foi saqueado pelo direito de ser livre, que foi torturado pelos libertadores, quando quem houve são as mulheres estupradas por heróis de tantos lados políticos diferentes. Será mesmo que 'os fins justificam os meios'?
   Termino com a política usando das palavras de um dos últimos grandes pensadores: "Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda a detestável idiotice que é chamada de patriotismo - eu odeio tudo isso de coração;" Albert Einstein

   E como falar do futebol? Ah, o futebol... Este sim, não falta ao debate jamais. Resultando em grandes desavenças, rivalidades e em casos mais extremos brigas. Desde o seu início europeu, até então um esporte bretão de nobres, aos jogos nas várzeas brasileiras quando imigrantes importaram o esporte, até os dias de hoje como grande espetáculo que movimenta cifras exorbitantes, é sem dúvida um dos esportes mais emocionantes e o mais dinâmico.
   Algumas vezes, a discussão torna-se mais relevante do que a religião ou política, afinal é muito melhor preocupar-se com seu time do que com a missa ou a economia, digo sem ironia alguma. Responda-me se puder: O que seria deste país se não fosse o futebol? Difícil saber ou argumentar. Paixão nacional, ópio do povo, delírio das multidões de torcedores.
   A maioria de toda e qualquer estupidez esconde um lado sensato e admissível. Por exemplo: Há milhares de anos pessoas se matam por praticarem religiões e rituais diferentes; Não é incomum assistir à políticos se esbofeteando, líderes invadindo países, ditadores tiranos dando um 'jeitinho' de se livrar dos indesejados, apenas por divergências políticas. Seria tão absurda assim a rivalidade e violência por parte dos torcedores?
   Alguns dizem que o futebol anestesia o povo, pra que mantenham-se entretidos e felizes, e eu devo concordar. Concordo com o direito de se anestesiar contra a crueldade, despotismo e opressão imposta à um povo cansado de viver como manda o figurino, de seguir as regras ultrapassadas de barbudos velhos, de sempre abaixar as calças para políticos deliciarem-se com suas boas vidas de representantes populares. Se Deus existe e se a regra é clara, termino com apenas um pedido: Negue-me o pão e o circo, mas não me negue o futebol.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Stardust

   Elas surgem aos poucos, quando os olhos se acostumam à falta de alguma claridade relevante do lado de fora de casa, enquanto a pele se acostuma ao vento frio que corta após a chuva de um dia cinza por inteiro. De repente somem, por trás da fumaça negra cuspida por toda a cidade ou através de um ponto cego, mas a vista continua garimpando o brilho claro entre a escuridão.

   As vezes aparecem como reticências, pontilhando este  quadro negro com todos os seus minúsculos riscos de giz, espalhando poeira, raramente riscando e sendo apagado de uma só vez, abençoandos os que mais carecem de sua famosa capacidade de realizar desejos e trazer boa sorte. As vezes giram ao redor desta órbita, como em uma embriaguez de uísque ou gim. Quase sempre ignoradas, pedaços de um infinito, esquecidos entre uma ou outra constelação.

   Tão distantes, que mesmo mortas demoram a se apagar, mesmo vivas costumam não aparecer. Talvez por conta dessa cidade maldita, quase sempre tão iluminada, atrasada e ocupada, desapareçam aos olhos de quem não tem mais vontade ou capacidade de se permitir alguns momentos de calma. Momentos para simplesmente ouvir o som que o silêncio faz, para realmente enxergar essa galáxia de míseras estrelas ofuscadas por toda essa luz falsa e mentirosa.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Our place is right here...

"...you say that nothing changes and everything that you're feeling is very clear..."


Pegue um copo e sente-se! Você não precisa de tanto agora. Isso tudo acaba igual de uma forma diferente. Se não quiser falar, eu vou entender, até porque me cansa as vezes com seu disco riscado. Eu sei que é normal, acaba sendo ensaiado as vezes e mesmo quando dizemos que não, acabamos julgando tudo isso. No final, somos só amigos, certo?
Os melhores amigos são os bons amigos que sabem qual é o momento de beber, o momento de falar e o momento em que os dois acabam sendo permitidos simultaneamente. Não me pergunte outra vez o que é que eu estou te oferecendo. Confie, beba e agradeça ou recuse.
Bons amigos... Elementar, meu caro! Defina-me como quiser, é apenas outro nome. Nomes quase nunca representam ou definem sensações e sentimentos. Bons amigos não são mais velhos, mais novos. Alguns mal se conhecem. Pare com essa mania de concordar, de dizer o que os outros querem ouvir... Seja um bom amigo, não tente ser bom pra mim, não tente agradar ou fingir que entende. Só seja um bom amigo e me leve pra beber uma cerveja longe daqui. Pois bons amigos não são os que precisamos ou queremos. Bons amigos são os que nós merecemos.

"...Everyone want be the only one that everybody see..."

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Como o amor... Talvez.

Se te incomodas, não te satisfaz; Se ainda pensa em tudo aquilo, por que não me procuras? Se a distância amplificou a arrogância e mesmo assim você não sabe se deve continuar, por que não me procuras?
Por que vinde a mim se nada tem à dizer? Apenas respirar o mesmo ar? Profanar o mesmo lar? Por que vens se nada tens à me falar. Se nada mostra-me e nada quero ver?


Não... Você não é mais que um reflexo, mais que um retrato, muito menos que um quadro na parede. Torna-se hoje muito menos do que era ontem. Perde-se pelos dias por andar de alma nua, perdendo se aos muitos, entre prédios e ruas.
Mas tudo bem, agora volta a procurar em outras faces a minha fisionomia, em outros gestos a minha grosseria. Tudo que me definia pra ti, tudo que chamou-lhe a atenção e, em seguida, despedaçou sua consideração, como se o imã que atrái, em um segundo, afastasse tudo.
Não... Você não é o que permite-se ser; não é o que busca ser. Você não é mais você do que eu. Nunca foi perfeita para alguém e nunca saberás se um dia ainda será. De tudo o que diz ser és apenas algo: atriz. Uma atriz de meias verdades, que tenta a todo tempo se definir e se explicar, que está viva, nesse mundo, mas isso não basta.
Mas saiba que não quero nada com tudo isso, acostumei-me com bem pouco. Se não vens, não é porque esqueceste do caminho, mas sim porque te negaste a trilhá-lo. Não me importo com teu destino, tampouco sobre suas escolhas. "Venha quando quiser, ligue, chame, escreva", venha com teu sim ou com teu não. Só não me engane mais com teu talvez.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

I've got you under my skin...

De leve, pouco a pouco, passa queimando. Um calor agradável, tornando-se, traço à traço, em uma dor aguda através dos músculos e tecidos. Liberando endorfina na corrente sanguínea, como um pedaço de chocolate, dominando o amargo da boca, desenrijando as articulações e atenuando o peso sobre o abdómen cansado.

Tudo bem.
'Eu sacrificaria qualquer coisa, seja o que for, para ter você perto de mim'
Em meio ao incomodo sofrimento há uma voz suave, com um bom piano e banda de acompanhamento, tornando a sala branca e retangular, com poucos assentos e aparelhos, um pouco mais viva.
Linhas e traços, em um azul royal, turvam aos poucos seus olhos, mas ela lhe diz: "They Can't Take That Away From Me". Você concorda espremendo os olhos, lembrando-se de relaxar e não demonstrar a dor.
Ella Fitzgerald costumava vir acompanhada de café, meia luz e, talvez, um cigarro, mas não dessa vez. Hoje ela vem só com sua voz, distraindo, dispersando os pensamentos ao mesmo tempo em que Louis Armstrong os junta, como um mosaico de cacos de vidro em sua mente. 

Tem razão, tem razão... Hoje era um dia mais Needles And Pins, ou Should I Stay Or Should I Go Now. No final, você já tem agressividade suficiente pra ouvir Clash ou, até mesmo, a balada dos Ramones. Sinta-se grato por Ella não lhe abandonar.

I saw her today I saw her face. It was the face I love and I knew I had to run away and get down on my knees and pray that they go away. Still it begins. Needles and pins. Because of all my pride the tears I gotta hide...
Come on! Keep that breathless charm!

A dor é repentina, acaba junto com o ruído que hora grita e outrora sussurra. De repente, nota-se que se trata apenas de um arranhão, que deixa-lhe com a duvida sobre sua intensidade ou profundidade e sobre o estranho fato de parecer não cicatrizar, tornando-se de alguma forma visível. No final , esquece-se o sofrimento, a acidez por baixo da pele. Louis lhe diz: "No matter what the future brings as time goes by".

All right... All right... Keeps rainin' all of the time

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sweetness...

Percebe-se agora o desejo indiscreto e imprudente de saber o que há por baixo deste véu. Percebe-se esta nova curiosidade irremediável, este interesse inexplicável em descobrir o que há por baixo desses arranhões, lacerando-os até torná-los feridas abertas que não se deixam cicatrizar, para assim revelar seus mistérios tão impregnados entre a carne e ossos, protegidos por uma pele fina.

Sente-se o gosto doce de uma novidade surpreendente, um sabor tão irresistível que ignora-se subitamente os avisos e conselhos dos que não se arriscam a senti-lo. Perde-se o bom senso atrás das respostas que queremos, para as perguntas que muitas vezes já conhecemos. Embora as vezes não seja tão doce assim, no final, o gosto sempre dura pouco e volta-se a  procurá-lo em um novo segredo que interesse ou satisfaça o desejo incomensurável de experimentar o novo.

Lembra-se de todas as dificuldades enfrentadas para tê-lo quebrando-se por entre os dentes, em centenas de pedaços que deixam sua impressão na boca conforme são mastigados. Lembra-se também de não permitir que a dificuldade se transforme em orgulho ou em impedimento absoluto, pois o difícil torna-se interessante, porém torna-se cansativo quando o difícil pensa que é impossível.

Enfim, corre-se atrás de conhecer o que a discrição tem a ocultar. Arrisca-se a saber e experienciar a sensação do desconhecido, aparecendo por trás das cortinas, entrando em cena. Permitindo que essa curiosidade irresponsável tome conta de seu apetite e anseios. Apostando suas últimas fichas de coragem em um destino inesperado, admirável ou arrebatador, apenas para sentir a verdade descer-lhe pela garganta, mesmo que não seja tão doce. Mesmo que o seu gosto não dure tanto. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Letras velhas em uma folha amarelada...

Café as quatro da manhã? Qual é o problema?
Desenho mulheres estranhas, só pra matar a vontade de fumar. Algumas vezes é mais fácil, outras vezes parece que não vou aguentar. Tanto faz a ordem de tudo... No final, eu nunca pareço satisfeito.

Há anos eu não escrevo nada, nenhuma linha, porra nenhuma. Devo ter me esquecido. Devo ter esquecido de você, esquecido de mim. Devo ter esquecido de me lembrar...

Devo ter me cansado dessa rotina, de toda essa monotonia, cansado de escrever sobre o meu cansaço. Esse cansaço vagabundo de quem não tem porque se cansar...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Amém...

É tudo uma questão de paciência. É uma questão de ter a sorte de estar no lugar certo e na hora certa para assistir um grande espetáculo, direto das primeiras fileiras desse teatro construído por mentiras e alucinações. Ela não se deixa fascinar por suas atuações, ela mantém-se à distância, governando seu estado de espírito afastada de qualquer revolução ou motim.
Ela continua mantendo sua irrefreável política de pão e circo, aplicando seu famoso status-quo pra ter tudo debaixo de seus sapatos, todo seu universo nas rédeas, bem controlados e funcionando direito.
Você se contenta, afinal ela mata sua fome, não sempre que você quer ou precisa e sim quando você já não acha mais suportável.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai nossas ofensas..
Ela lhe distrai quando precisa te enganar e faz isso bem. Ela gosta da sua cidadania e de que você escute e aprenda o que ela te ensina, cumprindo suas leis, honrando suas regras. Afinal, você daria sua própria vida à ela em qualquer guerra, para proteger as fronteiras do corpo que só você crê possuir autorização para ultrapassar. Proteger os recursos naturais que só você crê poder extrair. Escreve hinos em sua homenagem e poemas quando, por ventura, sente-se exilado de sua companhia.
No fundo, por mais que faça, sabes bem que ela lembra-se de ti quando precisa e esquece-lhe com a rapidez de um piscar de olhos, no instante de um pensamento. Mas é nela que moras e procuras abrigo. Pouco importa os protestos por aumento de atenção ou reforma de benevolências, ela sempre dá de ombros, reprimindo suas reivindicações com um olhar com o peso dos escudos e armas de toda uma tropa de choque. Mas quando pára pra pensar, você sente-se grato, santificando seu nome, indo até seu reino, fazendo sempre sua vontade, assim na terra como no céu. Perdoa suas dívidas, deixa-se cair em tentação. Conforma-se e agradece, como um escravo alforriado que não se vai, pois não sabe mais viver em liberdade.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Get out...

- O que há de errado contigo? - Ela lhe perguntou - O que mais você quer, porra? Quer que eu finja que eu não sei o que você faz?
- Não tenho o que lhe esconder, só não preciso te mostrar. O que você acaba vendo não é meu problema. Só não vou ser hipócrita dizendo que não quero mais nada, que estou satisfeito com tudo isso. O que você pensa que existe entre nós, guria?

Ela agora encara seu rosto mal barbeado e inexpressivo, cerrando os dentes e piscando compulsivamente os olhos, borrando de leve o contorno delineado em preto, provocando uma vermelhidão irritada em suas escleras e uma dilatação instantânea de suas pupilas.

- Guria? Você não se enxerga mesmo! - Ela responde em um suspiro de indignação - Age igual a um menino. Um menino mimado. Pensa que pode ir atrás do mundo e voltar correndo pra um abraço quando as coisas que você quer não acontecem? Você é um moleque!

Ela tinha razão, pelo menos um pouco, afinal era o que ele vinha praticando há algum tempo; a busca desenfreada pelas outras alternativas convenientes da vida e do mundo. Ele acreditava que navegar era mesmo preciso e que ancorar-se em um só porto, por mais tranquilo e confortável que pudesse ser, era um desperdício de tempo e vontade. Ele havia ponderado que o seu desprendimento não era uma necessidade, apenas um caminho natural que foi sendo traçado. Não precisava ir muito longe, nem abrir estradas e não o fez para enfrentar algo ou alguém, o fez apenas pra descobrir até onde iria chegar o seu desbravamento quase 'bandeirante'.

- Não devo e, na verdade, nem conseguiria tirar sua razão. Não me preocupo com isso, nem com o fato de parecer infantil...
- 'Parecer' não! Você é infantil! - Ela interrompe, quase atropelando os dentes com a língua na tentativa de atingi-lo com uma expressão de efeito - Eu só queria ter você de um jeito simples e normal como a maioria das pessoas fazem, mas você é um menino, como eu já disse, que larga os seus brinquedos correndo, para ir comer um doce ou jogar bola. Mas eu não, entendeu? Eu não vou ser seu brinquedo te esperando no quarto, jogada no meio da bagunça que é a sua vida! Tá me ouvindo?
- Tô sim...
- Então olha pra mim quando eu falo com você! Chega de ser criança. Hoje eu quero tentar falar com um homem!
- Falar? Você já ultrapassou há muito tempo o tom e volume de uma fala com essa sua histeria. Quer que eu seja seu? Como pretende fazer isso? Vai me amarrar na sua cama? Não sei se consigo aguentar isso, não sei se consigo ser só de você, ou só de qualquer outra.

Agora um fraquejo toma conta do rosto dela, invadindo a boca entreaberta e indecisa, as narinas mais abertas do que de costume, as olheiras emoldurando seus olhos castanhos subitamente desistentes e indiferentes, contrastando com os movimentos, aparentemente, involuntários e quase eufóricos de suas sobrancelhas. Ele não demonstra nenhum sentimento, nunca aprendera à fazer rodeios para dizer a verdade, quando esta fosse necessária. Limitava-se à engoli-la quando julgava o momento inadequado ou a verdade crua e demasiada de mal gosto.

- Escuta, doce. Eu gosto de você, mas...
- Não me chama mais assim. - Ela fala como se tivesse engasgado-se com a frase - Por favor!
- ...Eu gosto de você mas... Você tem os seus planos e eu não tenho os meus. Fico feliz por você ter essa habilidade de organizar sua vida, mas pra mim isso é difícil, é diferente. Não tenho como tentar fazer tudo do jeito que for melhor pra você ou pra nós, não agora. Tudo tá acontecendo muito rápido.
- Você está tentando justificar seu comodismo, seu conformismo. Você espera que eu aceite você saindo por ai, com aqueles bêbados que andam ao seu redor e com aquelas putinhas que se esfregam em você só porque sua música toca na rádio e quando você voltar, se você voltar, eu estar aqui presa pela realização dos seus sonhos e a desistência dos meus?
- Eu não espero nada! Você não precisa aceitar nada, muito menos fingir que não viu e não sabe. Não te prendo aqui! O que lhe prende é a sua vontade de ter comigo o que você arquiteta pra você. Mas eu não sou um projeto, doce... Eu sou uma pessoa, uma realidade, uma vida que esbarra em outras, todo santo dia. Não é preciso ser um gênio pra saber que eu vou me interessar por outras mulheres, também não é preciso ser um padre pra tentar me convencer que isto é errado e imoral. Nada disso tem relação alguma com meus amigos ou quem vai nos shows, se as coisas deram certo pra mim eu preciso aproveita-las, pois não sei quanto mais elas vão durar.

Ela não diz mais nenhuma palavra, tira a chave do apartamento de dentro do bolso de sua jaqueta jeans e entrega-lhe, vai até o quarto e pega sua bolsa, recolhe dois ou três livros da estante, alguns cd's e sai, batendo a porta às suas costas. Desaparece no corredor do prédio, desaparece do labirinto confuso e enigmático da rotina que a nova vida de rockstar dele se tornou. Desaparece até mesmo das poucas músicas que ele compôs pensando nela. Desaparece levando seu cheiro de perfume não tão caro, levando seu gosto de não tão suficiente. Desaparece nas primeiras horas dessa nova década.