"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Bebendo vinho...

Parece que tudo está bem, mas por mais incrível que pareça, ele acaba sentindo-se entranho sentado sozinho no sofá quase rasgado de sua sala de estar, com uma garrafa de vinho aberta, uma taça quase cheia e uma maço de cigarros ao lado. Não estava tão acostumado a essa solidão repentina. Eis que lembra-se de uma coletania do Sublime e aumenta o volume pra tentar afastar a solidão dessa sala vazia. Procurando companhia na voz de Bradley James Nowell, ecoando em suas reverberações. Deixando-se levar pelos ecos do dub, quase dançando sozinho por dentro e absorvendo os ecos, sintetizadores ou até mesmo as mudanças leves ou bruscas de um reggae para um hardcore.
Percebe que já é véspera de ano novo, tenta lembrar-se dos bons e maus momentos deste ano, mas nunca foi bom demais para isso. Acaba percebendo que é só mais um dia a mais e que após toda a festa, voltará a viver a mesma vida, como em um carnaval fora de época.
Tudo bem...
Sua garrafa de vinho ainda está na metade. Pergunta-se se existe alguma outra forma melhor para terminar mais um dia de trabalho senão abrindo um Cabernet Sauvignon e fumando seus últimos cigarros. Por mais incrível que pareça a solidão da casa lhe faz bem. uma liberdade quase intestável, quase intangível.
Seu sound sistem grita a canção What I've got enquanto ele se lembra de tempos atrás de quando andava de skate, encarava qualquer 'roda punk' e bebia ou usava qualquer coisa que lhe ofereciam...
"É meu amigo, o tempo passa..."

Enfim, ele resolve abandonar sua taça quase vazia e ir dormir. Talvez sonhe com ela, com sua antiga banda de Ska ou com seu time sendo campeão. Tanto faz...
Afinal, é véspera de ano novo e talvez não há nada melhor pra esperar nesta noite, a não ser uma boa noite de sono, talvez...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Talvez isso seja sua culpa!

-Acho que me saí bem - respondendo a si mesmo - Definitivamente, me saí bem!

Algo havia mudado, sem muitas razões ou causas aparentes, mas definitivamente o curso deste rio havia se desviado. Perdera alguns de seus afluentes que acabaram secando, mas tornou-se mais largo, mais fundo e, não mais, tão sinuoso.

-Acho que sim. - ela disse-lhe - Pode ser que você tenha razão, mas o que tudo isso quer dizer?
Ele tenta absorver a pergunta e formular uma resposta que não pareça estúpida ou pequena demais para encarar a questão. No fundo, sabia que ela era parte fundamental daquela mudança, mesmo chegando depois de muita água ter passado por baixo da ponte.

-E então? - ela insiste.
-Não sei, doce. Talvez seja algo natural, uma necessidade repentina por equilíbrio... Não sei!

Talvez não fizesse tanta diferença, o futuro continuava sendo uma incógnita, mas agora ele tinha ela por perto, por mais que as vezes fingisse que não a tinha e até chegou a pensar que não a teria. Mas agora ele sabia.

Seria uma chance de tentar fazer algo direito, que realmente desse certo, que representasse algo?

- Não te entendo, sabia?
É claro que ela não entenderia, aliás, como poderia?
- O que eu posso dizer? - ele responde, ou tenta - Talvez seja felicidade, talvez seja a nova rotina, talvez seja você... Talvez isso seja sua culpa!

Ela enrubesce, talvez não acreditasse ou não esperasse fazer parte disso mas no fundo, ao menos, desejava ouvir isso. Ela parece feliz também, sempre o encarou nos olhos com um jeito encantador, um certo brilho entre o infantil e o diabólico. Sempre o beijou com um jeito de menina e de mulher. Hoje ela seria anjo ou demônio?

- Porque eu? - questiona com um sorriso bobo e retruca com uma provocação esperta - A gente mal se conhece, quer dizer, a gente se conhece há pouco tempo.
- Desde quando isso faz diferença? Não devíamos mensurar isso pela intensidade e não pela duração? - Ele pergunta respondendo.

Ela não precisa responder. Os dois percebem quanta verdade havia ali e ambos consentem. Então, de repente, um breve momento quase constrangedor de silêncio, ela dá um passo à frente, beija-lhe na boca e lhe abraça, encostando sua cabeça no peito dele.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dancing with myself...

Ela abre os olhos, continua com a boca perto da minha, me olha e diz que quer dançar...
Tudo bem, temos tempo pra tudo nesta noite. Mais uma cerveja, mais até do que eu posso pagar...
Tudo bem, acaba valendo a pena ver ela dançando com seus amigos, divertindo-se de longe. Talvez ela não se importe tanto, afinal é só diversão, ela tem razão.

Me flagro pensando na possibilidade de atrapalhar sua festa, calar aquele sorriso com a minha boca. Acabo hesitando e até me permito sorrir por dentro assistindo à sua felicidade. É perceptível que ela, às vezes, acaba encontrando meus olhos estacionados nela e me encara de volta por um momento. Mal chego a sentir ciumes do encantador charme com que ela dança com qualquer rapaz desajeitado.

Novamente, tudo bem.
Ela não é minha e nem de mais ninguém, não nesta noite. Não há motivos pra antecipar ou atropelar nada agora. Vou sair pra fumar um cigarro do lado de fora e conversar um pouco com as pessoas que estão lá.
E ela?
Deixe ela dançar...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

She is a punk rocker...

Últimos passos da rua até a portaria, um 'boa noite' cansado para o vigia noturno e mais alguns passos até a minha porta. Desviro duas vezes a chave, abro a porta e sinto o cheiro da casa, nem tão bom ou ruim, apenas familiar...

Ouço uma torneira ligada e uma voz vinda da cozinha, cantando qualquer coisa ininteligível, áspera mas doce ao mesmo tempo. É a voz dela. Tenho a impressão de conhecer a harmonia da música e não a interrompo, a não ser por outro boa noite cansado. Vou ao quarto onde deixo minha jaqueta em qualquer canto e sento na cama pra desamarrar as botas.

Enquanto isso, a canção assume tons mais agressivos em um inglês sofrível, com palavras que parecem ter sido inventadas, seguidas vez ou outra por um 'abrasileirado' whatever, fuck off ou I don't care, que eu não sei bem se ela sabe o que significa. Porém o refrão tinha sido bem decorado, em um inglês fluente e convicto, que sempre se amplificava dando sentido a frase: You only try to put me down!!!

Acabo não sabendo como interpretar ou definir as razões por ela cantar em alto e claro o refrão, como se fosse a pressão correndo pelas cordas vocais usando a boca como válvula de escape. Mas, agora parado na porta da cozinha, observando-a lavando a pouca louça, dando pequenos pulos de uma euforia inexplicável e de vez em vez tomando goles na lata de cerveja que deixara em cima da pia, ao seu lado, eu vejo a leve brutalidade que ela carrega por baixo de uma camisa social que me roubou há algum tempo atrás,  antiga e grande demais para ela mas que a deixava perfeita quando a vestia e andava pela casa.

Olhando para ela e ouvindo-a gritar as palavras de ordem desse punk-rock antigo, consigo sentir a rebeldia que corre por seus ossos e dentro das suas veias por baixo de sua pele fina e isso me faz bem, isso me faz sorrir...