"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



quarta-feira, 19 de março de 2014

O dia em que o que não podia ser parado encontrou o que não podia ser movido...

   Respire, meu amigo. Acorrente o ar, arraste-o para dentro dos pulmões. Veja como ele te enche e te esvazia, como entra feito dono da casa, como vai embora feito um visitante.
   Agora alinhe a coluna e respire fundo. Não há tempo para lamentações. É só a vida, os dias passando, as coisas mudando. Não há nada pleno. Não se preocupe, amigo. Chegou de uma longa caminhada e está cansado, só isso. Ainda caminhará longas distâncias, mesmo que lhe falte forças nas pernas ou falte-lhe o ar, nunca lhe faltará água, pão e pouso.
   Não se amedronte. Sei o quanto é difícil continuar quando te doem as costas, quando as mãos tremem e os joelhos reclamam. Sei também do teu dilema, das tuas decepções, de como a busca por tentar entender o que é o mundo te afastou da busca por entender quem és tu próprio. Preocupa-te menos.
   Já viste tudo que precisava ver? Conheço-te pelos olhos abertos, pela afiada visão. No entanto, não enxergas a si próprio, porque só vê espelhos e padrões. Deixe o coração bater devagar. Tua maior responsabilidade é contigo mesmo. Teu maior compromisso é para com os mais próximos. Quer saber? Nunca vai perder teu medo do amanhã. É isto que te faz acordar e ir dormir.
   O que há de errado com as dores? Os arranhões na pele somem, os cortes fecham. Um dia, tudo acabará, sem dor. Mas por enquanto, precisa sentir tudo isso ao seu redor. Os prazeres e maldições que envolvem o estar vivo. Faz parte de sua mudança, de seu crescimento. Dê-se um tempo, camarada. Não sabe o que fazer hoje, talvez porque hoje não deva fazer nada. Esqueça as formalidades e burocracias, hoje você não deve satisfações. Deixe seu corpo fazer tudo o que tiver vontade.

   Amanhã tua vida muda e por mais que o dia pareça ter o mesmo brilho, é uma luz nova que lhe tinge os céus. Amanhã continuará sem as respostas que precisa, pois não há médicos para lhe dizer, cientistas para lhe provar, escritores que lhe expliquem o que você mesmo sente. Suas forças e fraquezas, soldas e rachaduras, desenhos e manchas nas paredes de tua existência. Amanhã ainda não saberás quem és tu e viverás assim, e o ar lhe invadirá da mesma maneira, quente em dezembro e frio em julho. Teu futuro é um objeto sólido, intransponível, invulnerável. Teu presente é uma força irrefreável, irrefutável, que não se pode domar.
   Então acelere este carro sem freio até encontrar seu muro intemerato, e verás o que resultará da união do que não pode ser impedido e do que não pode ser ultrapassado. Mas antes descanse. Até chegar esse dia, respire. Veremos se tua água não apaga o fogo. Veremos se teu peito não engole mais o ar sujo. Veremos isso depois...

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