"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Eterno Retorno

O que tanto esperamos? Um amor? Uma oportunidade? Uma vida nova? 
Esperamos por uma hora, duas, três. Um dia, um ano, um mês
A mesma história, um gole de cada vez. Um sim, um não, talvez
Por que esperamos? Pela dor? Pela verdade? Por uma cova?

Onde é que vamos chegar? Se ainda somos tão dependentes, só nos resta esperar
O dia em que não mais precisaremos caminhar por cima dos mesmos passos
Quando finalmente deixaremos que o amor exista sem precisar de laços
Como vamos aguentar? Se não olhamos mais pra frente, como vamos mudar?

Esperar que os dias não se repitam e que talvez, por sorte ou acaso
O destino permita que a paz nos encontre e que encontremos uns aos outros
Que possamos seguir em frente, à passos largos, com sonhos soltos
Aguardar por um futuro longo sem ser fundo e claro sem ser raso

Conhecemos a cidade e o seu contorno. O trabalho, o transporte, o transtorno
E então, o que ganhamos? Se tudo o que temos é tempo e dele não aproveitamos?
Se não chegamos onde queremos e não saímos de onde estamos, para onde vamos?
De volta a radioatividade desse ar morno. A efêmera ida. O eterno retorno...

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ou isso, ou não sei.

   No início foi indiferença. Sentimento natural, uma resposta do organismo, instinto de sobrevivência. Virei o rosto e fingi não conhecer mais nada. Fui andando e me perdendo no labirinto que minha imaginação criava. Vasculhei entre a sujeira da cidade, entre os prédios velhos, dos abandonados e pobres-diabos. Não procurava mais nada, estava apenas de mãos abertas para receber o que me confiavam. Podia sentir na boca, subindo pela garganta a vontade de escapar. Tem algo errado aqui. O que aconteceu? Criei uma personagem e como ator vagabundo que sou me coloquei por trás da máscara. De carnaval, de ferro, de palhaço. Pude ser tudo o que queria ser quando eu não era eu. Foi mais fácil. As coisas esbarravam nisso antes de chegar a mim. Eu tinha mais tempo para respirar, deixar que a personagem tomasse conta. Parecia melhor, era mais forte, mais fria.

   O coração vai desacelerando, reduzindo a marcha, pisando na embreagem e estacionando. Depois de um tempo pára e esfria, aos poucos vai juntando poeira, ferrugem e quando você tenta ligá-lo ele engasga, tosse e morre te deixando em uma nuvem de fumaça preta. Tudo aquilo que te fazia rir vai lentamente perdendo a graça. Como eu deveria reagir? Desde cedo pensei demais, nunca para ser intelectual, nem tanto para ser manifestante, mas por que tive tempo de sobra pra isso. Caçador de paisagens, colecionador de janelas. Tinha vontade de capturar os detalhes, como se pudesse mastigar com os olhos tudo o que via e sentir o gosto dessas coisas. E agora eu sei que o gosto desse mundo é ruim. Não falo mais das pessoas, estou me afastando delas. Não tenho muita paciência. Só penso no trabalho que tenho a fazer, no que ainda me mantém em pé. Eles não precisam de mim, sou uma fotografia, mais um rosto na tela do celular.

   Tento ver, ainda que de longe e por cima dos ombros. Eu também quero saber. Como funciona? Digo, essa vida, sabe? Qual é a razão? Me contem uma história de como usá-la. Em pouco tempo irei me desprender do conforto que tenho e encarar a vida e os dias que me batem à porta. E eu posso sentir esse dia chegando, posso sentir o planeta girando a caminho disso. Ou isso, ou não sei. Rico ou pobre, jovem ou velho, cônscio ou louco. Me mexo pouco. Tenho medo de que tudo isso me acerte em cheio, mas devo começar a andar e depois a correr pra tentar deixar para trás o padrão, fugir do imediatismo, dessa mania de velocidade e comunicação direta e constante. Afinal, estamos há tanto tempo lendo sobre o que os outros pensam e tão pouco tentando saber como nós pensamos. Neste baile, só eu uso máscara?

   Tento enxergar de longe, sem poder ouvir a música. Mas não quero julgar. Quero máscaras para imaginar a história. Quero que mintam pra mim, quero fingir acreditar. Quero alimentar outras personagens, tenho um roteiro magnífico na cabeça e preciso de coadjuvantes, de cenários e figurantes. E quando menos esperarmos, iremos acordar e ver que belo espetáculo fizemos, expondo nossas vidas, nossos conhecimentos e nossos corpos por ai. Jogando no poço sem fundo, no universo inesgotável, todo o registro de nossas atividades, as aventuras dessas pessoas fictícias que somos. Qual é o próximo assunto? Do que iremos reclamar hoje? Vocês não vêem que a vida nesse molde são anos e anos de descontentamento e reclamação? Nada é rápido o bastante, nada é bom o bastante, nada é barato o bastante. E eu corro, você corre e todo mundo lá fora já está correndo e no final estamos todos atrasados. Porque isso não pára e por mais que você insista em se colocar a frente do tempo, você é lento demais. Tudo o que fizemos foi para nos poupar tempo e veja só, seus amigos nem se lembram mais, eles ficam do seu lado desconectados do mundo físico, capturados pelo insignificante, fisgados por um anzol descartável.

   Reparei que as pessoas não se olham mais nos olhos. Ficam todas elas, umas de frente para as outras, com seus olhares vazios e desinteresses. Estão cansadas demais. Estação após estação. A ida e a volta pra casa. A desesperança de chegar sabendo que fica pouco, que em pouco tempo estará de volta, para construir o império, engraxar os sapatos e jogar um pouco de óleo nas engrenagens velhas da máquina. O monstro que alimentamos. Vamos esbarrando nas regras, tentando ser o mais próximo do que queremos e nos é permitido. E quando dizem que o mundo é para todos me arrancam o riso. E quando penso que me encaixei, eles aparecem com outro paradigma, outro modo de avaliar, mais um critério. E tudo bem, vou diminuindo o passo, preguiçosamente chegando. Mais um no meio da manada gastando oxigênio.

   Não sei se entendo. Te empurram a verdade, com a convicção mais cega e estúpida e fazem questão de te ver engolindo. E não sabem quantas colheradas de mentira puseram nesta verdade doce e grudenta. A velha mania de certeza. De outro lado está o coitadismo, a doença chamada vitimismo. Veneno para o caráter, muleta para os aleijados. Os covardes que não se levantam. Olho para os dois lados e atravesso a rua. Não quero nem mesmo que me vejam passar. Não tenho mais a capacidade de tolerar os especuladores, bajuladores, os pseudo-intelectuais, os idolatras. Vão todos para o inferno! Não gritem nos meus ouvidos o que vocês pensam da vida. Não venham me dizer como as coisas devem funcionar. Não pensem que escolheram um caminho melhor e muito menos tentem me colocar nele. Não sei e não quero mais saber o que vai acontecer. Não me importa.

   De mim sei pouco. Tenho receio de me descobrir e de me apresentar. Vou ser o que precisar, o ator que a cena pedir. Só quero meu papel e a minha fala e que venham os palcos, as garrafas, as mulheres. De qualquer modo, tudo o que tenho não foi feito por mim. Todo o pouco que tenho foi dado, trocado, comprado, não é meu, é tão emprestado quanto meu corpo, meus ossos. Chamo de meu este instante, essa arrumação de palavras, conjunção de significados e mistura de percepções. Os retratos que os sentidos fazem, o sentido que os retratos fazem, traduzidos pelas mãos. É o pouco que posso compartilhar. Como homem, sou o que o futuro me der. O que meus iguais me permitem e meus diferentes não podem evitar. Avesso à propriedade, ao apego, ao materialismo. Acumulador de teorias e pontos de vista. Do contra. Alternador de opiniões. Sou o que fui e o que serei.

   A vontade de saber, de descobrir, encaixar, tudo isso me consome. O desejo de aguentar, de segurar um pouco mais, esperar, tudo isso me levanta. Meus olhos se fecham e se abrem, dia após dia, sem que eu saiba realmente onde estou, o que represento, qual minha importância e o que realmente devo fazer com o tempo que me resta. Vou pedindo carona, vivendo do que vem, tendo o que me cabe, levando o que posso.  Correndo dos dentes careados da cidade, pulando os buracos da calçada. Esse sou eu, sendo o que criei, escrevendo o que me vem. Mais um detento desta geração. Outro espectador voraz, outro cliente, outro ouvinte. Apenas outro. Outro.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Tudo aquilo que você queria ser e ainda não é.

   Deixa o tempo passar. Não siga os ponteiros. A vida é o que é.

   Faça o gol. Corra. Marque. Brigue. Entre firme na dividida. Tudo ao redor é muito mais do que "um dia após o outro". Deixe de se acorrentar, deixe de se trancar em seus remorsos, em seus ressentimentos.  Deixe de se esconder por trás de seu reflexo. Esqueça dos espelhos, eles não te mostram o que você é.

   Abra a cortina, deixe a luz entrar. Faça a sua vontade. Pare de dançar reparando no modo em que os outros dançam. Feche os olhos e escute a música. Respeite as sensações. Colecione as experiências. Liberte a pessoa que você sempre quis ser. Seja.

   Deixe que este eu-lúdico acorde amanhã. Mude seus hábitos, suas opiniões, seus caminhos. Tenha a coragem de desistir. Abra mão do que não te pertence. Não tente ser feliz a qualquer custo, lute para ser o que é. De qualquer modo, a qualquer momento. Acabe com o tempo de paz. Comece a guerra dentro do seu corpo. Não tenha vergonha de se corrigir, de se contrariar. Amplie a sua visão e mantenha o foco. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Plano B: 78º

   Lembra daquela sensação de estar vivendo em um mundo de mentiras e que em um belo dia tudo viria à tona? Apenas ilusões que a qualquer momento alguém poderia esfregar em sua cara. Toda a sujeira que estava bem abaixo de seu nariz e você não viu.

O que aconteceu? Perdemos a coragem? Por quanto tempo vamos continuar negando as rachaduras na parede? Por quantas vezes ainda vamos permitir que nos enganem enquanto apenas assistimos? 
Foda-se. No final não faz tanta diferença assim. Siga o padrão, vai dar tudo certo.
   
   Quero começar engolindo essas meias palavras. Meias verdades. Toda essa inteligência inútil, todo esse excesso de informações sem importância. A vida é uma armadilha, um passeio pelo campo minado, e vocês terão que andar por esse caminho pelo menos uma vez. E os outros... Bem, os outros querem mais é que vocês se fodam. Vestem um sorriso amarelo nos seus rostos e, pronto, está feita a sociedade. Pois que seja, que me olhem dos pés à cabeça e não me reconheçam, perdi a vontade de me assemelhar. Nunca tive a necessidade de me encaixar. Sou engrenagem torta, que faz girar ao contrário.
   
   Inventem uma nova visão política, não vejo a hora de contrariá-la. Me contem das tendências, adoro ver o modo como estragam hoje em dia as coisas boas do passado. Me deem notícias, estou louco pra saber quanto tempo elas vão durar antes de serem esquecidas e arquivadas. Que grande idiotice. Tanta facilidade, tanto avanço, tanta tecnologia nas mãos, apenas pra ter que aguentar a estupidez e as manias das pessoas que eu nunca vi. O mundo para todos. A voz para o povo. Não era bem isso que eu tinha na cabeça.
   
   Eles fizeram de nós um bando de viciados. Gente pobre de espírito, sem reação, estática. Colocaram essa fraqueza dentro de nós. E todos vocês levam seus filhos para a escola, assim como seus pais os levavam, e deixam com que cortem suas asas, que lhe limitem o voo. E vocês fazem de tudo para que não cometam as idiotices que vocês cometeram e no entanto querem que eles andem pelo mesmo caminho por onde vocês vieram. E eles sabem muito mais do que vocês sabiam e os filhos deles vão saber ainda mais. São crianças tão espertas, com olhos abertos para tudo, com filtros ainda tão limpos e mesmo assim você permite que um retângulo de vidro, uma câmara de elétrons, os eduquem e ensinem. Assim como fizeram com vocês.
  
   É óbvio que entendo, sou parte disso. Mais um pedaço defasado, outro parafuso enferrujado pela água suja que jorra das infiltrações do sistema. Apenas mais uma lâmpada acesa na cidade, sobrevivendo enquanto a resistência não torrar. E no âmago da questão, é o que todos vocês também são. Uma fração. Uma sombra. Um acidente. Do acaso. Do tempo. Uma ironia do destino. E todo mundo lá fora sabe disso, mas eles também sabem fingir muito bem, que vocês são interessantes, que são peças singulares. E vocês adoram ter os seus egos massageados, não é? Sentem prazer com isso. O erotismo intelectual inserido nesta ilusão literária que temos. E não importa o que seja ou se realmente é certo, mas vocês sempre vão concordar com o que lhes trouxer mais, mesmo que pegue parte do que não é de vocês. Ninguém aqui mata pra comer. Toda a merda que vocês têm na vida pode ser comprada numa porra de supermercado! 
   
   Por que razão separar o eu de nós? O eles de vocês? Não estamos todos juntos aqui? Tapando os buracos com nossas explicações ridículas para tudo? Sentindo a maré subir enquanto jogamos para fora baldes e baldes de ressentimentos e dissimulações. A quem queremos enganar? Nós sabemos quem somos, por o que passamos, o que fizemos, quantas mentiras contamos e quanto perdemos e ganhamos para chegar até aqui. Aquela vida de mentira parece um pouco mais distante agora, não é mesmo? Vocês não vêem o mundo como ele realmente é, nenhum de nós o vê. Não podemos. Se por acaso víssemos, perderíamos as esperanças. O nosso mundo, este que construímos com pedras e ferro, é frio. E tudo o que nós temos, nem mesmo é nosso. Não foi nem mesmo pensado em nosso conforto. Não foi nem mesmo feito para a nossa paz. Nunca tivemos o que queríamos, temos apenas o que eles querem que queiramos.
   
   E que relevância todas essas palavras haveriam de ter? Amanhã nossos cafés estarão quentes, e nossas canetas tampadas, e nossos papéis arrumados, e nossas roupas passadas, e nossas bocas mastigando, carne ou pão. E tudo vai parecer tão normal e previsível como apenas a vida, em sua rota de colisão, em sua órbita instável, pode ser. E nossos olhos vão arder, vão abrir e fechar, bem diante das coisas que não vemos. E com o tempo, vamos nos cansar. Vamos olhar pra trás e nos culpar pelos desperdícios com que compactuamos, pelos equívocos dos quais fizemos parte. E um dia iremos nos lembrar, de quando achávamos a vida engraçada. Vamos nos lembrar dos rostos novos e felizes, do cheiro que as coisas tinham, do jeito que as garotas riam. Já te passou pela cabeça que este é um mundo de mentiras e que em um belo dia tudo virá à tona?