"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Labirinto

   Da janela do meu quarto eu vejo carros estacionados, uma porção deles, centenas, como um cemitério silencioso, ou um supermercado em dia de promoção, mas raramente alguém aparece, a paisagem então permanece quase sempre imóvel.
   As lâmpadas cospem luzes alaranjadas, uma ou outra janela nos prédios ao redor mostram sinal de vida. Entre uma tragada e outra a linha de raciocínio vai e volta tantas vezes que me flagro sem saber ao certo no que estou pensando. É como um emaranhado de fios, nem todos se tocam mas acabam sempre conectados ao mesmo ponto fixo.
   A árvore que fica em frente à minha janela parece um ecosistema completo, compartilhado por gatos que gritam e se arranham, pássaros que aproveitam a ausência dos felinos para se aninhar e namorar, e morcegos que aparecem quando o motel de folhas está vago. Os morcegos sempre me assustam.
   Minha casa é distante da rua, poucos ruídos chegam aqui, deixando tudo em um silêncio sufocante, como uma catedral vazia. Às vezes, raramente, algum som perturba este vácuo: um cachorro latindo na vizinhança, o som de um carro correndo pela avenida, o grito das turbinas de um avião solitário, rasgando o céu às escuras.
   Às vezes tenho boas idéias, às vezes crio teorias e labirintos. Imagino como o futuro deveria ser. Lembro-me de pessoas e me pergunto se elas ainda se lembram de mim. Penso em amores antigos, em momentos que parecem imaculados, dentro de porta-retratos que decoram as prateleiras da minha memória. Sorrio entre uma lembrança e outra, praguejo entre uma tragada e outra.
   Já pensei em esvaziar algumas dessas prateleiras, para colocar coisas novas no lugar daquela antiga coleção  de pessoas, lugares e momentos usados, que eu teimo em armazenar. Mas ai me lembro de que não posso simplesmente queimar o arquivo e não estou disposto à amontoar mais coisas.
   No final, acabo esquecendo as coisas que penso, a maior parte delas, como se estivesse mentindo pra mim mesmo. 'A quem eu quero enganar?', eu adoraria ser um otimista, fazendo uma faxina por dentro, tirando a poeira do meu museu particular e inaugurando uma nova ala, apenas para a exibição de novidades. Mas na realidade, tudo funciona como um parque de diversões enferrujado, frequentado pelo mesmo público, que já conhece o gosto do algodão-doce, da pipoca e do refrigerante, que nem mesmo sente mais aquele frio na barriga quando passeiam em uma das minhas montanhas russas.
   Mas eu estava falando da janela do meu quarto, um portal para alguma outra dimensão impregnada pelo cheiro de uma 'dama-da-noite' plantada aqui por perto. A janela do meu quarto, onde meu pensamento vai longe, acelerando e rebobinando esta fita, inúmeras vezes. É um flerte perigoso com o tempo, eu me deixo levar pela dança, pela valsa, pela sinfonia do vento que derruba e arrasta as folhas da 'àrvore-motel'.
   As casas são todas iguais, como embalagens, pintadas com a cor da monotonia. Aqui existe uma tranquilidade assustadora, daquelas que aparecem após uma tempestade ou um naufrágio. A única diferença é que há muito tempo não existem ondas, me jogando de um lado para o outro nesse mar, turbilhões rodopiando tudo como se a sua vida estivesse dentro da lavadora de roupas. Existe apenas uma marola, suave, que traz náuseas.
   Eu disse que meu pensamento vai longe demais. O cigarro está no fim, minhas idéias também. Vou tentar dormir antes que a claridade do dia venha devorando as núvens amarronzadas que cobrem o céu. Desculpe-me, mas preciso fechar a janela.

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