"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



sábado, 11 de junho de 2011

Even way...

   Eis que aquela velha ferida volta a lhe incomodar. Mas você não se incomoda tanto assim. Arranha-te, viola-te, maltrata-te a pele e no entanto você não pode conter essa vontade involuntária e incontrolável de lacerar a fina camada que lhe protege.
   Deve se lembrar de alguns anos atrás, bons anos atrás, em que abria seus velhos brinquedos ou até mesmo os aparelhos eletronicos antigos, apenas para ver o que havia por dentro daquela embalagem híbrida, daquele modelo padrão, do velho corpo usado e mal acostumado.
   Ou seja, não conseguimos deixar o sangue coagular do lado de fora da pele. Solidificando em um universo desigual. Arrancamos, em plenas unhas, o bloqueio entre o corpo habitual e o corpo desconhecido. Apenas pela emoção de ver uma pequena gota de sangue brotar da pele como um milagre evolucionário. Aquela velha sensação de estar vivo que apenas a simples dor pode lhe proporcionar.
   Não se deixe levar por tão pouco, afinal, ainda estamos amadurecendo em um barril de carvalho, esperando o ponto certo de degustação. Não nos deixaremos ser provados como algo doce demais. Permita que a madeira absorva essas impurezas, permita-se tornar límpido e claro mas não tão simples de ser tragado. Deixe-se envelhecer como deve.
   Se é sangue que procuras, sabe bem onde achá-lo. Ele está derramado pelas ruas e pelas janelas por onde observa o mundo. Está bem perto, por baixo de tua pele, correndo com a mesma pressa desta cidade por entre tuas veias, abastecendo tua curiosidade e teu coração que mal pode acompanhar teus passos.
   Lembra-te dos teus passos? Aqueles que te trouxeram até aqui? Será que deixaste apenas se levar, arrastada por estas calçadas abandonadas até algum lugar que não lhe parece familiar? Será que você sabe onde está pisando, em que confusões anda se metendo? Você é mais nova e inocente do que pensa ser. Eis um segredo que a partir de agora torna-se público: Quanto mais descobre-se menos entende-se.
   Cansamos... Ou devo colocar isto no singular, em meu suposto senso de humildade e apenas dizer que eu cansei desta busca desenfreada por conhecimentos, desta procura descomedida por descobertas? Você pode até tentar me persuadir de que hoje sabemos muitos mais do que sabíamos. Even way, coloco-me em meu absoluto direito de discordar e replicar: Reciclamos de um modo anti-ético e cretino tudo o que alguns falam há séculos. Mesmo assim pensamos ser intelectuais, bem sucedidos e informados. Partilho de um ponto de vista simples, que divide e explica bem a palavra "informação":
- In - Elemento designativo de negação.
- Forma - Alinhamento, modelo, modo, maneira...
Podemos ir até mesmo mais longe e definir "formação" como disposição, constituição, estabelecimento. Sendo assim, continuamos sendo os mesmos primatas vaidosos e egocêntricos que éramos, apenas com ferramentas mais avançadas, mas com o mesmo desejo indiscreto de descobrir e de saber.
   Evolução é um termo delicado para se lidar. Consigo ver no passado um brilhantismo que nos falta no presente. Uma política de exercício ao pensamento escassa em nossas rotinas. Um apego às artes, um culto à singularidade e ao genialismo, uma veneração ao sentimentalismo praticamente extinto hoje em dia.
   Qual é o reflexo do amor, da pobreza e da guerra? Até onde isso nos alcança? Em um tempo de sexo livre, classe média e diplomacia pacificadora, seremos capazes de obter a felicidade que nos prometeram e na qual acreditamos? Seremos capazes de continuar nossa busca por informação, discernimento e livre escolha?

   "Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe. O universo é governado pelo acaso irracional e ao mesmo tempo por uma providência com preocupações éticas. O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas também valioso e necessário. O Universo é um sádico imbecil, mas também, simultaneamente, o mais benevolente dos pais. Tudo é rigidamente predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente livre..."

Aldous Huxley