"Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia."


Friedrich Nietzsche



sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Non Sense...

...Ela disse às seis, no mesmo café em que se viram da última vez. No entanto, o ponteiro do relógio acusava seis horas e quarenta e cinco minutos de atraso, café e idas até a calçada para fumar. A nova lei anti-fumo não chega a lhe incomodar, aliás, foi em um 'fumódromo' que você a conheceu e permaneceu ali mesmo depois de fumar, ouvindo ela dizer sobre "a merda que é um viciado" e aquele discurso bem ensaiado sobre parar de fumar.
Já começava a se acostumar com a idéia de que ela não viria, enquanto tragava os últimos goles do café frio que lhe sobrava na xícara. Você abre o jornal amarrotado, corre as linhas com os olhos, analisando apenas manchetes, filtrando frases até chegar à página dos quadrinhos e  palavras cruzadas e resolve decifrá-las. Chama a atenção de um garçom com um gesto, solicita mais uma xícara e uma caneta disponível qualquer, o rapaz prontamente assente trazendo, com estranha rapidez e cortesia, o café e a caneta.
Então põe-se aos obstáculos, não antes de ler os quadrinhos e sorrir unilateralmente com uma tira do célebre Charles Schulz, criador do 'Snoopy', em que os personagens Charlie Brown e Lucy se encontram em um diálogo sobre o futuro:

Charlie Brown: O futuro me assusta!
Lucy: Não vejo porque... Você é jovem, cheio de vida... Provavelmente vai viver por mais sessenta anos!
Charlie Brown: É isso que me assusta!

Eis que ao início das respostas, ela faz-se visível através do vidro da cafetaria, tentando vencer o vento e o frio que faz do lado de fora. Um senhor, de saída, faz absoluta questão de lhe dar passagem, não só por simpatia, mas também por uma oportunidade de tentar ver algo que escape aos agasalhos dela. Ela estica o pescoço, procurando sua mesa, enquanto se ajeita dentro do sobretudo e logo após esfrega as palmas das mãos afim de esquentar-las. Encontra então a mesa em que você a esperou por cinquenta e sete minutos.
Põe-se a murmurar algumas desculpas sobre o trânsito, o frio e qualquer outra coisa. Você contenta-se em uma espiada por cima dos óculos, erguendo uma sobrancelha em sinal de indiferença.
Então, como a sirene de uma ambulância em busca de um acidentado, ela começa a falar de tudo, querendo dizer nada. Mal respirando entre as pausas quase inexistentes, atropelando o que dizia para pedir um macchiato, bebida que há pouco conhecera e a qual se declara imensa apreciadora. Ela freia a língua por um instante e depois de perceber-lhe atento ao temporário desafio de encontrar as definições das palavras, resolve te perguntar o que havia acontecido.
Com a mesma indiferença de antes, você sussurra uma resposta qualquer, o que sempre a deixou revoltada. Volta a olhar ao redor e, como se fosse possível mudar de humor em um segundo, pergunta se podem conversar do lado de fora para que possam fumar enquanto falam, ela aceita relutante, resmungando novamente sobre o frio que faz hoje... Do lado de fora, perto da esquina da Haddock Lobo com a Avenida Paulista, pode-se ver as luzes dos prédios, antenas e carros. Você encara os olhos dela por um tempo enquanto ela tenta saber o que aconteceu...

 "por quê você está tão diferente?".

Teria mesmo algo fora do lugar? Teria mesmo algo acontecido? Qual é a necessidade de saber tudo ou como as pessoas se sentem? Não seria mais fácil aceitar que algumas pessoas não sentem a mesma necessidade de falar sobre tudo que dá errado ou apenas não dá certo? Certamente não parecia tão simples para ela. Ela era do tipo que fazia de tudo para te deixar louco, para que ela não parecesse tão fora de si. Certa vez, você teve a brilhante idéia de discutir sobre argumentação, assunto qual ela nunca deu o braço a torcer e por mais que você não admitisse ou tentasse negar, no fundo sabia que ela era uma grande argumentadora, possivelmente uma argumentadora involuntária. No entanto, faltava-lhe a noção básica de que não era necessário mostrar que estava certa para argumentar, mas sim que os outros estavam errados...

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